Conservação do condor-da-califórnia já dá resultado

Morguefile

Li recentemente que, pela primeira vez em muitos anos, a taxa de natalidade do condor-da-califórnia supera a de mortalidade dessas aves. Fiquei contente e recordei-me da palestra que assisti sobre essas que são as maiores aves de rapina do mundo, em viagem ao lado norte do Grand Canyon, nos Estados Unidos, em 2014. Pois, apesar do nome, é no Grand Canyon, no estado do Arizona, onde se concentra boa parte da população desses condores atualmente.

O que não é muito, já que não existem 300 exemplares dessas aves na natureza hoje – mas é grande coisa. Isso porque até o início dos anos 1980, sua população chegava ao preocupante número de 22 aves. O que levou os biólogos a tomar a decisão de capturá-los e criar um programa de reprodução em cativeiro, em santuários, como os zoos de San Diego, Los Angeles e Oregon, até chegar a um número com o qual seria seguro devolvê-los ao ambiente selvagem.

A decisão gerou muita polêmica e discussões, nos informou a palestrante, uma guarda florestal do parque, mas acabou se mostrando acertada. Há poucos anos, a população de condores “selvagens” (268) já superava a do grupo em cativeiro (167) e agora, pela primeira vez em décadas, nasceram mais aves em habitat natural do que morreram no ano passado, de acordo com o Fish & Wildlife Service dos Estados Unidos. Nasceram 14 condores contra 12 mortes, sendo que dessas, duas foram causadas por envenenamento por chumbo das balas das armas de caçadores.

Grande, careca e muito útil

California_CondorO condor-da-califórnia (Gymnogyps californianus) não é exatamente uma ave bonita. É grande e desengonçado e tem a cabeça careca. Mas, não por isso, deixa de ser considerado uma ave de rapina majestosa e fascinante. Com asas de quase três metros de envergadura, é a maior ave dos EUA e uma das maiores aves de rapina do mundo. Além do que, como outros abutres – vide o nosso urubu- desempenha um papel importante na limpeza do ecossistema, já que se alimenta de animais mortos.

A ave atinge sua maturidade sexual aos 6 anos de idade, e costuma seguir fiel e monogâmica ao encontrar um parceiro. Mas, como os papais condores levam mais de um ano para criar um filhote, a taxa de reprodução é extremamente baixa.

O condor costuma viver bastante e, quando não é ameaçado por caçadores, pode chegar aos 60 anos. Outra causa de declínio populacional é a perde habitat. Bom, neste caso, o problema não é exclusivo desta espécie, né?

Condores podem voar rápido e bem alto – a até 90 km/hora e acima dos 4 mil metros – e viajar cerca de 240 quilômetros por dia à procura de alimento. Dá para queimar bem as calorias antes da refeição, não?

Eu bem que tentei, mas não tive a sorte de avistar um condor sobrevoando o Grand Canyon. Além de lá, ele pode ser encontrado nos estados norte-americanos da Califórnia e Utah, além do norte da Baixa Califórnia, no México.

 

Sobre corvos e outras aves com fama de bravas

Quem me acompanha em viagens ao hemisfério norte e locais de clima temperado já sabe: sou fascinada por corvos. O grasnar dessas aves muito comuns nesses locais me hipinotiza. Além disso, as acho muito sociáveis e simpáticas.

Tem gente que discorda e a má impressão causada por esses animais – que são, na verdade, bastante inteligentes e tem capacidade de memorizar e repetir palavras feito um papagaio, mostraram estudos – tem origem em superstições seculares em diversos países, em que se acreditava que corvos eram a encarnação do mal e portadores de maus presságios, possivelmente pela plumagem escura e por alguns serem necrófagos. Os urubus também não têm boa fama pelos mesmos motivos.

O escritor Edgar Allan Poe e o cineasta Alfred Hitchcock, entre outros artistas, souberam aproveitar bem esses mitos que acompanham essas aves.

Em viagem neste janeiro às montanhas do Colorado, nos Estados Unidos, avistei e fotografei muitos corvos. Nada tímidos, com a confiança de quem sabe que ninguém vai ameaçá-los, eles se concentravam nas cidades, em árvores, telhados e postes, e pareciam conversar, entre eles e com as pessoas. Bom, eu queria acreditar que conversavam comigo também.

ORG XMIT: S11ABC5EB_WIRE (FILES) File picture taken in 1963 shows British film director Alfred Hitchcock (1899-1980) during the shooting of his movie 'The Birds'. Hitckcock directed his first film in 1925 and rose to become the master of suspense, internationally recognized for his intricate plots and novel camera technique.  Hollywood will celebrate 13 August 1999 the centenary of Hitchcock's birth. AFP PHOTO FILES IMF25 09102004xMOVIES 10072005xGuidelive

Foto clássica de Hitchcock com uma gaivota e um corvo

E não é que enquanto estávamos lá uma noite passa na TV Os Pássaros, do Hitchcock? Nesse filme do início dos anos 1960 e baseado em conto de mesmo nome da escritora britânica Daphne Du Maurier (vim a descobrir depois, em pesquisa sobre o filme na internet), as aves, especialmente os corvos, passam a atacar os habitantes de uma pequena cidade na Califórnia. Assustador na época, apesar dos efeitos meio toscos comparados com os filmes atuais.

Hoje, com os “sexta-feira 13”, vampiros, zumbis, lobisomens e tudo o mais, ninguém se assustaria com a ideia de ser bicado por pássaros. E, para falar a verdade, tenho bem mais medo de gente de carne e osso do que desses tipos.

Versão brasileira dos corvos?

Cristina Rappa

O quero-quero é famoso pela valentia ao defender suas crias

Por falar em aves que são valentes em defender seu território e crias, neste mesmo verão, no carnaval, fomos para uma praia no litoral sul do Rio de Janeiro onde ouvia-se o alerta às crianças: “cuidado com os quero-queros, não chegue muito perto que podem vir te perseguir e picar a cabeça”.

Sim, quero-queros são aves bastante bravas em se tratado de defender seus filhotes e ninhos. Não costumam se intimidar com aves maiores, como rapinantes como os carcarás, nem mesmo com predadores como os gatos. Se Hitchcock tivesse vivido no Brasil provavelmente os teria incluído na turma de Os Pássaros.

A Biologia não inclui os quero-quero (Vanellus chilensis) na família dos corvos, a Corvidae. No Brasil, gralhas, como a do campo (Cyanocorax cristatellus), a azul (C. caeruleus), a picaça (C. chrysopse a cancã (C. cyanopogon) é que pertencem a essa família. 

Na casa dos pica-paus

Ao chegarmos à sua casa de campo no Uruguai, onde passaríamos o recesso de final de ano, nosso amigo foi logo avisando, entre as explicações de como funcionavam as coisas lá: “uma família de pica-paus mora no forro da casa. Assim, não se assustem com o barulho das bicadas na madeira ao amanhecer”. E apontou para um buraco na parede, ao lado da luminária externa.

O pica-pau nos esperava na   árvore na entrada da casa

O pica-pau nos esperava na árvore, na entrada da casa

OK. Recado dado e eu, que passava as férias de infância na fazenda da minha avó, no sul da Minas, e para onde viajo sempre que posso, estou acostumada aos ruídos de animais, como aves e morcegos, no forro.

Não precisamos esperar o amanhecer e, já no final daquele mesmo dia, fomos recepcionados pela dupla de pica-paus-do-campo (Colaptes campestris) em galho na árvore na entrada da casa. Piavam estridentemente. Seria um ritual de boas vindas ou um protesto por estarmos invadindo o espaço deles e “ameaçando” sua ninhada? Como não compreendemos a linguagem dos pica-paus, procuramos respeitar e não fazer muito barulho. Para não assustar os bebês.

De manhã, começou o simpático toc-toc e o arrulhar das avezinhas no ninho, dentro do forro, com o vai-e-vem dos pais trazendo alimento.  Perdoem-me os muito urbanos, mas acho bem mais agradável despertar desse jeito do que com o barulho de buzinas e freadas, sem falar nas insuportáveis caçambas que ocupam praticamente todas os meio-fios de uma cidade como São Paulo.

Outras aves

As caturritas, sempre em bando e alegres

As caturritas, sempre em bando

Dos pica-paus foi um pulo para o contato com outras aves, como as caturritas (Myiopsitta monachus), parentes (no comportamento e na algazarra) dos nossos periquitos-ricos, que costumamos chamar de maritacas nas cidades brasileiras, os sabiás-do-campo, o lindo príncipe, os também barulhentos e gregários dragões, o falcãozinho quiri-quiri e inúmeros gaviões, entre outras.

Mas não era a família de pica-paus a única moradora tradicional da casa. Logo deram as caras dois teiús, que se aproximaram para delimitar espaço e cobrar umas frutinhas, que devoraram com prazer.

Um pouco mais tarde, os carneiros começam a balir e duas lebres passam correndo e se escondem dentro da moita, deixando a ponta das longas orelhas de fora. Ao anoitecer, uma família de gambás –  mãe e três filhotes – atravessa o campo em um trajeto que logo decoramos e passamos a acompanhar todos os dias antes do jantar.

Punta - carneiros reduzida

Viajar para observar aves

Observação de aves: emoção é o que não falta no contato com a natureza

Sabe aquela figura do gringo de mais idade, óculos, binóculos, chapéu “australiano”, meio ranzinza e intolerante a qualquer ruído? Era a imagem que eu tinha, quando mais nova, de quem se dedicava a observar aves. Puro preconceito.

Aves - Cristalino - Saira da cabeça azul 2

E não é que há quase dois anos eu fui convidada para um eventos desses organizado em fazenda de Mococa (SP), resolvi ir com máquina fotográfica emprestada e sem saber usá-la direito. E gostei. Depois disso, ganhei uma máquina do marido e, sempre que tinha chance, ia atrás de pássaros para conhecer, escutar e registrar.

A fisgada final ocorreu em agosto de 2014 em uma viagem ao norte do Mato Grosso, em um programa de ecoturismo na RPPN Cristalino. RPPN é a sigla de Reserva Particular do Patrimônio Natural e Cristalino é o nome do rio, um afluente do Teles Pires, por onde se chega lá, de barco, a partir de Alta Floresta. A cidade ainda tem as florestas do nome, mas também muita área de pastagens, boa parte delas degradadas. Como se trata de uma região de grande biodiversidade, o ecoturismo aparece como uma boa alternativa de negócio. A natureza e nós, habitantes das cidades, somos também recompensados.

Aves - Cristalino - Araras vermelhas no ninho 2

Já o Cristalino, com suas cerca de 600 espécies de aves, um terço do Brasil, é um verdadeiro paraíso para o birdwatcher, como é chamado o observador. Sem luz elétrica, o dia começa no escuro, à base de velas, no café-da-manhã às 5 e meia. É que o melhor horário para se ver as aves é justamente de manhã cedinho, especialmente em locais quentes como a Amazônia.

Trajetos de barco, trilhas na mata, banhos de rio e subidas nas torres de observação de 30 e 50 m eram nosso programa diário nesse local em que também não pega celular. Imersão total na natureza.

Dia de fortes emoções

Foi do alto da torre de 50 m que vivi uma das grandes emoções da minha vida. Nem bem amanhecia e já estávamos (minha amiga Luiza, a quem arrastei para lá e também se viciou nessa atividade, o pesquisador científico e birdwatcher mais experiente Paulo, e o guia Jorge) lá em cima quando começamos a escutar uma movimentação nas árvores e um forte ruído. “São os macacos-aranha-de-cara-branca dando alerta de perigo”, logo diagnosticou o experiente Jorge.

Cristalino - macaco aranha da cara brancaUm macaco aranha da cara branca, espécie endêmica do Cristalino, no norte do Mato Grosso

Macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus) é uma espécie de primata endêmica do Cristalino – ou seja, só existe lá, e se tornou símbolo do Parque Estadual Cristalino. Avistá-los pulando de galho em galho e se dependurando pela calda preênsil já teria valido a viagem. Mas eis que, no telescópio, conseguimos enxergar a razão de tanta agitação: uma harpia, o famoso e temido gavião-real, grande predador de macacos, entre outros animais de pequeno porte. Eu quase despenquei da torre de tanta emoção ao ver o majestoso rapinante.

Não bastasse isso, naquele mesmo dia vimos revoadas e ninhos de araras, ariranhas, surucuás-de-barriga-amarela, de rabo preto e variados (como o “metido” personagem do meu livro infantil Topetinho Magnífico), saíras, como a azul e a sete-cores-da-Amazônia, garças-reais e muito mais, além de escutar o maravilhoso canto do uirapuru. Motivos de sobra para fazer uma já amante da natureza se apaixonar pela observação de aves, finalidade de diversas e incríveis viagens dali em diante.

Passarinhos de cidade grande

A algazarra começa logo cedo, sendo que os primeiros a acordar são os sabiás-laranjeira. Há ainda as rolinhas e os bem-te-vis, mas ninguém ganha das maritacas, ou periquitos, em matéria de ruído. Muito alegres, elas voam e pousam em bandos, sempre piando estridentemente, no parapeito do telhado da nossa casa e das dos vizinhos, nos acordando pela manhã e provocando meus cinco gatos.

Os sabiás, mais gulosos, muitas vezes se arriscam a roubar uns grãos da ração dos gatos. Alguns até já se tornaram comida de gato. Nesse quesito, caçada a passarinhos, Pérola, a mais meiga e mais gordinha da turma peluda de casa, é campeã. Muito a contra-vontade teve que aceitar a coleira com guizo, para alertar as aves sobre sua proximidade, dando-lhes tempo para fugir. Um problema resolvido: a chegada dos guizos decretou o fim da temporada de caça aos passarinhos em casa.

Além disso, a alimentação dos gatos passou a ser fornecida em dois turnos diários: de manhã cedo e no final da tarde. Assim, sem ração dando sopa o dia todo nos comedouros dos felinos, os passarinhos tendem a levar uma vida mais “natural” e vão se alimentar de frutas, sementes e flores das árvores e arbustos que têm, felizmente, aumentado no meu bairro, seja nos jardins das casas, nas calçadas ou nas praças. A julgar pela circunferência do corpo dos sabiás, a ração de gatos não parece estar fazendo muita falta.

Outra medida que tivemos que tomar para proteger os pássaros foi colocar adesivos nos vidros do andar de cima da casa que eles não identificavam e batiam, ao tentar atravessar, pensando se tratar de um vão livre.

Encontrar um passarinho morto pela batida no vidro era motivo de tristeza geral aqui. Foi quando uma amiga com o mesmo problema trouxe da Europa uns simpáticos adesivos “alerta-pássaros” e parti para essa importação também. Outro problema resolvido e mais nenhum passarinho apareceu morto por aqui. Pelo menos de morte não-natural.

Mais comida e poluição

Maritacas e rolinhas se alimentam na janela do vizinho: “fartura” na cidade grande.

Cerca de 400 espécies habitam a Grande São Paulo, segundo o Guia de Campo Aves da Grande São Paulo, de Pedro Develey e Edson Endrigo e publicado pela Aves & Fotos Editora. Forte urbanização, poluição do ar, dos rios e sonora não parecem incomodá-los. Com a oferta de comida fácil (como a ração dos meus gatos…) é maior nas cidades, as aves não abandonam a metrópole. Para nossa sorte.
Nas praças e em alguns restaurantes com mesas ao ar livre, é comum observar pardais, tico-ticos e pombas à espreita, esperando cair ou ganhar alguns farelos, casquinhas e miolos de pão.

Na ciclovia do rio Pinheiros, os quero-queros já vêm fazer companhia às garças-brancas e às capivaras. Fazem seus ninhos, perseguem com coragem e energia alguns ciclistas, para defender suas crias (nem sempre dá resultado e alguns são, infelizmente, atropelados), e parecem não se incomodar com o odor horrível do rio, especialmente em dias de muito calor e pouca chuva.

Se a população e o poder público valorizarem e preservarem o verde na cidade, vamos ter uma São Paulo não apenas mais alegre, com a presença dos passarinhos, mas também mais fresca e agradável.

Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.