O corujão

É engraçado como certos animais carregam rótulos no imaginário popular. Um deles é a coruja, animal normalmente associado a mistério e magia e personagem certo em filmes e livros com bruxas, como a Hedwig, companheira de Harry Potter.

Eu, ao contrário, sempre tive simpatia por corujas. Não que tivesse muita experiência com elas e sempre tive consciência de que não devemos interferir com animais silvestres. Estava apenas acostumada com a presença das “buraqueiras”, me observando ao passar na estrada, dos morões das cercas.

Eis que, no feriado de 7 de setembro, deparo, caminhando no início da noite, com uma coruja enorme e linda, da espécie Murucututu da Barriga Amarela (Pulsatrix perspicillata pulsatrix), também conhecida como Corujão, por medir mais de 40 cm. Estava presa pela asa na cerca de arame farpado de uma propriedade rural no sul de Minas. Viria a descobrir mais tarde, lendo um estudo de biólogos da USP, que essa é uma das principais causas de morte de corujas no Brasil, após atropelamentos e eletrocussões.
Meu irmão cortou o arame e libertamos a pobre da posição desconfortável de ficar dependurada pela asa na cerca. Ela parecia nos agradecer com o olhar e logo grudou no meu braço e colo, o que – confesso – foi um pouco dolorido, pois suas garras eram afiadas como as de um gavião. Nada mais natural para quem tem que agarrar seu alimento.

No dia seguinte de manhã, a levamos ao veterinário para retirar o resto do arame farpado ainda preso na asa e ouvimos o lacônico veredicto: “É uma pena, mas os músculos da asa parece que foram afetados e ela não deve voar mais”.

De volta à casa, deixei-a empoleirada no espaldar da cadeira da lavanderia, aberta para o jardim. Ela me olhava com o olhar interessado, bebia água, mas não comia. Como alimentar um animal silvestre acostumado a caçar o próprio alimento? Uma pesquisa pela internet e redes sociais e várias sugestões aparecem: carne, insetos, roedores, morcegos…

A natureza se encarregou e, ao cair da noite, ela já dava as primeiras tímidas voadas e até caçou um passarinho desavisado (o que me entristeceu, mas faz parte da natureza, pensei). Depois de cuidada e recuperada, em uma semana conseguiu alçar vôos mais longos e voltar para o mato.

Fiquei feliz – afinal, lugar de animal silvestre é na natureza, solto – e também um pouco saudosa, pois me apeguei a esse ser fascinante, que me observava atentamente, tentava se comunicar comigo e virava a cabeça ao ouvir a minha voz. E – acreditem – adorava um cafuné. Não é à toa que encanta as bruxas.
E, naquelas coisas da vida, no mesmo dia em que a coruja voltou para a natureza, presencio, revoltada, uma seriema ser atropela em uma estrada no interior de São Paulo, por um motorista veloz e distraído. Pensei: “Bom, não é todo dia que conseguimos salvar um animal silvestre”. “Minha” coruja teve mais sorte do que essa pobre seriema. Uma vida recuperada e outra que se vai. Em ambos os casos, pela ação do homem.

A coruja me observando ao telefoneA coruja me observando ao telefone.

Eu não vou conseguir salvar todos os animais silvestres de acidentes como esses, mas se puder ajudar a combater, com informação e educação, que lugar de animal silvestre é na natureza e que o tráfico e aprisionamento são crimes, já estou fazendo a minha parte.

Sobre as corujas

Corujas, especialmente as noturnas, costumam estar associadas a estórias de magia e mau augúrio, superstição boba. Os gregos, pelo contrário, não só as valorizavam como aves benfeitoras, como as consideravam símbolo de sabedoria.

O fato é que essa ave totalmente inofensiva é muito útil para o equilíbrio biológico, especialmente de zonas rurais. Pois se alimenta de ratos e outros roedores, como os morcegos hematófagos. Sem as corujas, a população de roedores seria incontrolável, desolando lavouras e celeiros de grãos, e transmitindo doenças.

O ganso sobrevivente

Há cerca de dois anos meu irmão e minha cunhada ganharam seis gansos abençoados do convento das Carmelitas em Jundiaí (SP). Logo ganharam um destino que parecia, anos nossos olhos e das freiras, paradisíaco: o açude da fazenda, no sul de Minas, onde viveriam livres, com espaço, recebendo milho e ainda comendo frutinhas, como jabuticabas e acerolas.

Porém, a natureza tem suas regras e caprichos, e nem a benção das freiras livrou cinco das seis aves da morte misteriosa. Inicialmente as fêmeas, vulneráveis por estarem chocando os ovos, depois dois dos machos simplesmente desapareceram sem deixar vestígios, certamente comidos por algum animal silvestre faminto.

O pobre ganso sobrevivente, ciente do perigo, nos segue aflito, como a pedir socorro. Acaba de ganhar dois companheiros – um marreco e uma pata – comprado por um amigo ao vê-los trancados em uma gaiola em uma loja. Nadam felizes, desfrutando da recente liberdade, e despreocupados. Nada melhor do que a liberdade, não?

Em uma tentativa de protegê-los, estamos providenciando uma espécie de “galinheiro”, onde eles se abrigariam à noite.

Fiquei muito triste com a situação das aves, mas me conforta imaginar que devem ter alimentado alguma família faminta de uma espécie silvestre (uma jaguatirica ou cachorro do mato, talvez?). Afinal, seriam esses predadores piores do que os políticos corruptos que nos escandalizam com seus golpes, os funcionários que desviam remédios de postos de saúde ou que atendem mal a população carente, os assassinos ao volante nas nossas estradas e cidades? Duvido muito.

De estimação e guarda

Os gansos são aves famosas por proteger a propriedade contra invasores. Apenas os nossos pobres amigos não conseguiram se proteger. Mas sempre deram sinal na chegada de alguém de fora.

Em função de sua valentia e braveza, já tem gente que os emprega como substitutos dos cães de guarda.
Mas, embora bravos, podem se tornar bons animais de estimação. Como um cão de guarda. Em meados deste mês de outubro, vejo a triste notícia do atropelamento do ganso Vem-Vem, que, há oito anos em uma casa em uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, acostumava acompanhar o dono por onde ele andava. Em uma dessas voltas, foi atropelado e não resistiu e agora o seu dono diz que pretende adotar seus filhotes.

Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.

O mistério do sumiço dos macaquinhos no inverno

Acho uma delícia ficar observando os fenônemos da natureza e constatar o quanto ela é dinâmica. Quem acha que a vida no campo é monótona não a conhece ou a olha com olhos equivocados, com parâmetros de cidade grande, procurando outro tipo de agito.

Na natureza, ao contrário da cidade, em que todo dia tem sempre oferta das mesmas coisas (já viu faltar laranja ou abacaxi no supermercado? Mesmo que meio azedas ou sem-graça, essas frutas estão sempre lá), a dinâmica é outra e segue a lógica das estações do ano, o que faz com que o cenário e os personagens mudem totalmente conforme a época.

Hoje, por exemplo, fui surpreendida, em uma caminhada de final de tarde em horário de verão, por um bando de macaquinhos que tentava chamar a minha atenção no bambuzal, pulando de lá para cá, fazendo poses e chacoalhando os bambus, que gemiam. Antes de partir para o ataque. Das mangas, sua sobremesa parece que preferida, depois de desgustar os brotos de bambu.

Aí me dei conta de que fazia meses, muitos meses que não os via. E que eles apareciam em bando, como costumam viver, sempre nesta época, atraídos pelas mangas que começavam a aparecer no final da primavera, e, mais adiante, pelo milho verde, outra iguaria de sua preferência.

Fiz um esforço para me lembrar se alguma vez tinha avistado macacos no inverno na fazenda, quando o pomar é predominantemente cítrico. Pelo visto, não gostam muito de laranjas, limões e mixiricas. Já são mais chegados nas jabuticabas, muito abundantes neste outubro, por sinal.

E reaparecem mesmo junto com o verde que veio para ficar um bom tempo, depois de várias chuvas da primavera. Não daquelas primeiras, hesitantes. Mas as chuvas que vêm com gosto e trazem a exuberância e o perfume das mangas, dos abacates e dos mamões.

Aí surge a dúvida: para onde eles vão e o que fazem no outono e no inverno? Seriam animais de hibernação? Como os jabotis, que passam meses fechados em seus cascos?

Nunca imaginei isso deles. Devem ir procurar alimento diferente em outras paragens nessa estação.
Mas, enquanto pensava nisso, de repente acordo com uma manga voadora que por pouco não atinge a minha cabeça. Atirada por um macaquinho que, depois, malandro e divertido, foge em disparada de volta para o bambuzal, sua escala antes de entrar na mata.

Se você não se diverte ao deixar a cidade grande e vir para o campo, eles, seres do mato, bem que se divertem com você. E, cuidado, que lá vem mais manga! Ainda bem que eles ainda não descobriram a jaqueira.