As curicacas e a torre de Tavares

Certos animais às vezes apresentam comportamentos peculiares. Causados por vontade própria ou por consequencia da ação humana. Mesmo sem a intenção destes.

Foi o que observei e acabei constatando durante uns dias, no mês de maio, observando aves em Tavares, na Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul.

Já no dia seguinte à minha chegada, acordei antes do amanhecer com um barulho alto, que não consegui identificar de imediato. Seriam animais? E quais? Por que a movimentação?

Abri a janela do quarto e vejo dezenas de curicacas vocalizando alto e se movimentando na torre de distribuição de energia da cidade, que fica em terreno próximo ao hotel onde me hospedei, na cidadezinha de cerca de 6 mil habitantes.

A barulheira é a preparação para levantar vôo e deixar a torre, logo ao raiar do dia. Curicacas (Theristicus caudatus ) têm o hábito de “gritar” ao anoitecer e ao amanhecer e já ganharam o apelido de “despertador do pantanal”. Descendo para o café da manhã, antes da passarinhada, observo mais curicacas partindo da torre de celular no terraço superior do hotel.

Curiosa, fui conversar com o Batista, o dono do hotel. “Um tormento”, reclamou ele, explicando que, de uns anos para cá, as aves resolveram abandonar os pinheiros e passar a pernoitar na torre. Ou melhor, em torres, já que a do hotel também era alvo delas. 

As aves não me incomodaram de forma alguma, expliquei, caso ele pudesse achar que eu estivesse reclamando do barulho. Sou bastante tolerante com animais; apenas fiquei curiosa.

Mas Batista me explicou que o barulho e as fezes das aves causavam transtornos, especialmente aos moradores próximos à torre de energia, que tinham seus quintais, casas e carros constantemente sujos. E, no caso do hotel, era preciso limpar o terraço com muito mais frequência. Havia ainda o risco da presença constante das fezes e dos materiais dos ninhos corroerem a estrutura da torre.

“Já tentamos de tudo aqui na torre do hotel”, contou-me: cercas de arame, telas, fogos… Nada surtiu efeito. As aves sempre driblavam os obstáculos e voltavam todas as noites à torre.

Sugiro ao Batista um produto atóxico desenvolvido por um conhecido para desestimular pombos-domésticos a pousarem em beirais de janelas de residências, sem agredir os animais nem por em risco a saúde dos moradores. Trata-se de uma pasta “grudenta” que, espalhada nos beirais, incomoda as aves, que desistem de pousar ali.

Na última vez que falei com o Batista, ele ia conversar com o meu conhecido e encomendar o produto. “ Por que não ficam na mata e vêm para as torres?”, se perguntava.

O problema não é exclusivo de Tavares

Cristina Rappa

Durante o dia, as curicacas se alimentam nos pastos e lavouras

A resposta encontrei posteriormente lendo um estudo científico conduzido por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB)  sobre danos causados pelas fezes úmidas e vestígios de ninhos de curicacas aos condutores de torres de transmissão de uma empresa do centro-oeste brasileiro, provocando curto-circuitos, que interrompem o fornecimento de energia, fenômeno conhecido como “Bird Streamer”.

A pesquisa constatou que era grande a presença de curicacas em torres em áreas antropizadas, ou seja, já transformadas pela ação do homem, como pastagens, lavouras e urbanizações. Já as torres que se encontravam em áreas próximas a matas, não tinham curicacas. Ou seja, na falta das árvores de sua preferência, elas iam fazer seus ninhos e pernoitar nas torres.

Outra razão para o crescimento da população de curicacas deve ser a falta de predadores naturais, como jaguatiricas e outros gatos nativos. Estaria o ambiente da simpática Tavares, entrada para o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, um paraíso para os birdwatchers, desequilibrado?

Viajando de carro por Portugal, meu marido e eu estranhamos porque certas torres de transmissão de energia concentravam um grande número de cegonhas (Ciconia ciconia), outra ave que tem preferência por fazer ninhos em locais altos, e outras não traziam nenhuma cegonha. Estava explicado: nas torres mais próximas a Lisboa e arredores havia muitas cegonhas; já as torres que passavam ao longo de corredores de matas não tinham cegonhas.

Cristina Rappa