Observando aves no Panamá

É preciso ser bem sincera: foi uma decisão de viagem pragmática, não daquelas sonhadas e planejadas. Apreensivos com o lento ritmo da vacinação contra a covid-19 no Brasil, meu marido e eu decidimos ir nos imunizar nos Estados Unidos, onde estavam vacinando mais de 3 milhões de pessoas por dia, inclusive para a faixa etária abaixo dos sessenta. E o Panamá era um dos poucos países onde era possível fazer quarentena para entrar nesse país e que permitia a entrada de viajantes chegando do Brasil. Com a vantagem de não ter muitos casos da doença, em comparação com outra opção, o México.

Decididos, viajamos, em 26 de março, para o pequeno país que fica no istmo que divide as Américas Central e do Sul. Foi bom termos decidido rapidamente (em uma semana) a viagem. Cinco dias depois, até o Panamá fecharia suas fronteiras para viajantes do Brasil.

E não é que foi uma grata surpresa a estada lá?

Quem diria que um país com pouco mais que 75 mil km2 de área (mais ou menos duas vezes o Estado de Pernambuco) contaria com cerca de mil espécies de aves? Mais do que a variedade de espécies dos EUA e Canadá juntos, sendo que não há comparação em termos de área.

Oito espécies endêmicas e cerca de 120 migratórias podem ser encontradas no Panamá, sendo que a espécie-símbolo das aves de lá é a majestosa e quase ameaçada Harpia (Harpia harpyja), o gavião-real. Apesar de ser um predador muito eficaz, caçando macacos, outros mamíferos e aves, por falta de habitat, em função do desmatamento, e da caça, por ser muito grande e estigmatizada, ela encontra-se ameaçada em diversos países. Como outros predadores no topo da cadeia – como a onça-pintada – sua preservação é vital para o equilíbrio do ecossistema.

Marta (esq.) e Edwin me apresentam as aves do Panamá.

E foi a Harpya que me levou até uma agência muito bacana com quem passarinhei duas vezes no país: a Whitehawk Birding & Protecting. A agência foi criada por um grupo de biólogos que faz um trabalho de estudo e conservação da rapinante, e que envolve educação ambiental nas escolas do país. Tudo a ver comigo, né?

Dois amigos brasileiros birdwatchers tinham me alertado sobre a variedade e beleza dos pássaros daquele país, que faz divisa com a Colômbia, a leste, e a Costa Rica, a oeste, duas mecas da observação de aves. A Colômbia, em função da posição geográfica e da Cordilheira dos Andes, é o país que reúne mais espécies de aves no mundo. O Brasil vem em segundo lugar, com cerca de 1920 espécies.

Aí, pesquisando, encontrei e fiz contato com a agência, e logo a Marta Curti, uma das biólogas, me respondeu e acertamos um tour privado, para mim e meu marido, com todas as regras de segurança sanitária exigidas nestes tempos de pandemia. O programa, de cerca de oito horas de duração, começaria em Gamboa, pequena cidade na entrada do Canal do Panamá que foi construída para abrigar as famílias de funcionários que trabalharam na sua construção. Essas casas, feitas de madeira, coloridas e com garagens para barcos embaixo, são uma atração a parte do lugar.

De lá, o tour seguiu pela Pipeline Road, dentro do Parque Nacional de Soberanía. A aves de lá são muito curiosas e pouco ariscas (como o lindo anambé-una) , e dentro do parque há ainda a sede do Rainforest Discovery Center, com diversos bebedouros para beija-flores, que oferecem ao visitante um lindo e colorido espetáculo.

A harpia é muito difícil de se ver, logo me alertam Marta e o guia local, Edwin Campbell, de ouvido muito afiado e que já morou no Brasil, no Mato Grosso do Sul e em Santa Catarina. A filha mais velha de Edwin, Sophia, nasceu e aprendeu a falar no Brasil, e acabou ganhando de presente um exemplar do meu novo livro infantil, As aventuras do Topetinho Magnífico na Amazônia. Os ninhos da águia ficam muito no alto das árvores e são mais encontrados em áreas mais distantes da capital, Panamá City, me explicam os guias.

Assim, descartada a possibilidade de ver a harpia (eu já tinha avistado uma de longe, em telescópio, do alto de uma torre em Alta Floresta/MT, e um ninho com filhote na reserva da Veracel, em Porto Seguro/BA), elegi os simpáticos surucuás (da família Trogonidae) e os tangarás (família Pipridae) as aves-símbolo do Panamá.

Vi muitos surucuás, de cinco espécies, como este de-cauda-branca, entre as mais de 90 espécies registradas nesse dia de passarinhada.

As imagens não ficaram boas, porque eu costumo levar em viagens ao exterior a câmera compacta, cujas fotos no meio da mata e em dias nublados têm menos qualidade. E não é que parece que as aves adoram ficar na contra-luz! Foi o que aconteceu com todas as fotos dos lindos tucanos-de-garganta-amarela (Keel-billed) .

Sem falar, que não recarreguei a bateria da câmera na véspera do passeio, e ela acabou na hora do almoço, me privando de registrar os beija-flores. Todavia, foi boa oportunidade para passarinhar com o ótimo binóculo Vortex que a Marta me emprestou e me dedicar a apreciar os sons das aves, ao invés de ficar brigando com o foco da câmera.

Lendo, semanas mais tarde, nos EUA, um artigo assinado por ela na revista Birdwatching sobre “orniterapia”, que é usar a observação de aves para desestressar e ficar mais focado, concluo que foi acertada a troca.

Satisfeita com o tour e admirada com a beleza e a variedade da fauna do Panamá, marco outro passeio, de barco, pelo canal, o rio Chagres e o lago Gatún, para ver de outro ângulo a natureza de lá. Nesse dia, quem acompanha Edwin na guiada é o biólogo espanhol Angel.

No passeio, vemos muitos gaviões, com destaque para dezenas de caramujeiros (Rostrhamus sociabilis) e o caranguejeiro-negro (Buteogallus anthracinus), garças (azuis, tricolores e brancas), martins-pescadores, marrecas, andorinhas e muitos primatas, como o macaco-prego-de-cabeça-branca (Cebus imitatur) (foto abaixo).

Dias depois eu encararia sozinha, sem guia, uma manhã de trilhas e passarinhada no parque Metropolitano, em Panamá City, onde escutei uma barbaridade de sons de aves, mas tive muita dificuldade em identificá-las. Que falta faz um guia! Especialmente quando não estamos familiarizados com as aves do lugar.

Ao final das duas semanas de quarentena no Panamá, o saldo de minhas passarinhadas é de 139 espécies, me mostra o eBird, o aplicativo do departamento de ornitologia da Universidade de Cornell. Que maravilha!

Esporte, história e boa educação

Além da exuberante natureza tropical, que faz a alegria dos passarinheiros, o Panamá oferece boas condições para quem gosta de praticar esportes. Eu costumava correr na pista à beira-mar, com segurança e acompanhada por sabiás-da-praia, pelicanos e incontáveis e barulhentas gralhas boat-tailed, guaximins e gatos ferais, que são alimentados pelos moradores e vivem na orla, especialmente na região do Mercado de Mariscos.

Já aos domingos, as avenidas que acompanham o mar transformam-se em uma grande ciclovia, onde facilmente se consegue alugar uma bicicleta a um preço bem razoável.

Saindo das áreas dos esportes e da natureza, um passeio que recomendo é pelo Casco Viejo, a cidade antiga, com seus prédios históricos, que estão sendo restaurados, e repleta de bares e restaurantes simpáticos.

Sem falar no Museu do Canal, que conta a história do país e da construção dessa imensa obra de engenharia, iniciada pelos franceses em 1908 e finalizada pelos norte-americanos na década de 1920. O time francês, com o sucesso do Canal de Suez na bagagem, não conseguiu enxergar que as condições de topografia e clima no Panamá eram diferentes das do Oriente Médio, e fracassou. Aí os americanos assumiram e concluíram a obra sem gastar muito esforço e recursos na escavação e sim fazendo as eclusas.

O canal tem cerca de 90 km. Eu imaginava que fosse muito mais longo. Mas é bem largo.

Cristina Rappa

Navio passa pelo canal enquanto observo uma fêmea de socó-boi zelar pelo filhote no ninho.

Em 1513, o explorador espanhol Vasco Núnez de Balboa, sem contar com GPS, já imaginava que o istmo não fosse muito largo e liderou uma expedição para ir do Atlântico ao Pacífico. Esse logo se tornaria o caminho para escoar ouro e prata das Américas para a Espanha. Balboa é quem dá nome à moeda local, que vale o mesmo que o dólar norte-americano. Mas nem cheguei a pegar uma nota de Balboa, porque a economia panamenha é toda dolarizada e se paga tudo em dólar. O que representa uma facilidade para o turista, mas torna a vida bastante cara para os panamenhos.

Na Corrida do Ouro da Califórnia (1848–1855), o Panamá, em função de sua posição geográfica, viu sua população crescer bastante e prosperou, mas não foi um progresso duradouro. Foi com as obras do canal, que levou muita gente a abrir negócios para atender os trabalhadores da obra, que o país mais prosperou.

Pronto o canal, explorado pelos americanos até os anos 1970, o país passou a administrá-lo a partir de então sozinho, aumentou-o mais e, com a renda por ele gerada, tem crescimento econômico e índices de renda e IDH (0,815) melhores que de vários de seus vizinhos da América Central e do Sul.

Uma das coisas que mais nos surpreenderam positivamente no Panamá foi a educação da população com relação às normas sanitárias para a proteção contra o novo coronavírus. Não se via ninguém nas ruas, seja indo ou voltando do trabalho, passeando ou praticando esporte, sem máscara. Além disso, todos os estabelecimentos – que conseguiram sobreviver à crise acarretada pela pandemia – contavam com medidor de temperatura e ofereciam álcool em gel na entrada.

O governo foi bastante rígido na tentativa de controlar a pandemia, me conta meu amigo e ex-colega de trabalho que vive no país há alguns anos, Henrique Nogueira. Segundo ele, o Panamá ficou dez meses em lockdown, as pessoas com circulação bem limitada, sob o risco de serem presas caso burlassem as regras.

Dessa forma, por educação ou por medo de punição, sua população de cerca de 4,3 milhões de pessoas registrou pouco mais de 6 mil mortos pela covid-19 até o mês de abril, sendo que a média de mortes pela doença nesses primeiros meses de 2021 era de 4 por dia.

Apresentando animais brasileiros às nossas crianças

Uma queixa comum e pertinente de biólogos e amantes da natureza é que, até pouco tempo atrás, as crianças brasileiras tinham a Chita, ou seja, os chimpanzés, espécie de primata exótico no Brasil, como referência de macacos. Sem falar em leões, elefantes, rinocerontes, animais de continentes como África e Ásia.

Minha geração – formada por pessoas acima dos cinquenta – aprendeu a gostar de animais assistindo a séries e filmes como Daktari (que criança não se encantava com o leão vesgo do protagonista?) e Tarzan. Tudo bem, cumpriam sua função de divertir, mas não tinham nada a ver com a nossa realidade e acabavam sendo nada educativos, se é que arte e literatura devam educar. Mas isso é uma outra discussão. De qualquer forma, não devem confundir e desinformar, não é?

De uns anos para cá, começou um movimento para levar os animais do nosso país às nossas crianças, para que elas, os conhecendo, passassem a ter uma referência da nossa realidade e a valorizar o nosso ambiente. Escolher como personagem a onça-pintada, ao invés de leopardo ou leão; sagui e bugio no lugar de chimpanzé; antas e por aí vai. Mas ainda são poucos os casos.

Sobre aves, contam-se nos dedos as obras que mostram as nossas. No cinema, a animação Rio promove para o mundo a ararinha-azul ,em produção norte-americana de 2012, contendo alguns vieses e incorreções; mas, mesmo assim, bem positiva. Na literatura, há poucos livros infantis que trazem aves do Brasil e uma lista deles pode ser conferida no blog da Passarinhóloga, a bióloga Nathália Allenspach.  

Tudo bem: em 1948, Jorge Amado escreveu em Paris O gato malhado e a andorinha sinhá, mas o gato mal humorado é o personagem principal e a história não tem brasilidade. Pode se passar em qualquer lugar. De qualquer forma, o texto de Amado, que escreveu o livro para o filho, e as ilustrações lindas de Carybé valem muito à pena.

Nossas aves como personagens

Apresentar as aves brasileiras às crianças, brasileiras ou não, foi uma das minhas preocupações com os meus livros, inaugurados com o Topetinho Magnífico, lançado em 2012 pela Ed. Melhoramentos.  E, especialmente, na coleção Aves & Biomas, lançada em 2018 com O Soldadinho da Caatinga, que tem como herói o soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni), o passarinho lindo, endêmico e ameaçado da Chapada do Araripe, no sul do Ceará, lugar que tive o privilégio de conhecer em 2015 e para onde, encantada, voltei duas outras vezes. Em 2018, já com a ideia do livro na cabeça, para conhecer melhor a inspiradora região, sua fauna e flora ricas; e, na última vez, em 2019, para lançar o livro para a comunidade local.

O soldadinho-do-araripe, protagonista de O Soldadinho da Caatinga, em ilustração de Maurício Veneza

No livro, o soldadinho viaja pelo interior do nordeste brasileiro, conhece outros representantes da fauna local, como as aves piu-piu (Myrmorchilus strigilatus) e periquito-da-caatinga (Eupsittula cactorum), o tatu e o jegue, aborda temas regionais, como o desmatamento, a falta d´água e o abandono dos jegues pelas estradas, as pinturas rupestres (paleontologia) no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e a cultura, com o Reisado de Caretas, festa típica da Chapada do Araripe.

A ideia com essa coleção é justamente esta: por meio de uma ave emblemática – por ser linda e/ou ameaçada – de um bioma brasileiro, levar às crianças temas regionais e conhecimento sobre esses locais e suas questões. Como no Topetinho, com linguagem leve, ação, muito diálogo e humor. Nada que lembre – pelo menos, foi essa a minha intenção – alguma enfadonha aula de geografia do passado. Pelo contrário, o objetivo é distrair o leitor-mirim e fazer com que ele se interesse e se encante pelas belezas do seu país e, com isso, passe a ser seu defensor. 

No segundo livro dessa série, lançado em 2019, elegi como cenário a mata atlântica, bioma do qual restam cerca de 12% da vegetação original e onde a maior parte da população brasileira vive.  

O Tiê da Mata Atlântica – que tem como protagonista o lindo e bastante comum no litoral do sudeste tiê-sangue (Ramphocelus bresilius) – aborda questões que preocupam nesse bioma, como desmatamento, poluição de praias, mangues e rios, e atropelamento de fauna. Entre os personagens, outras aves da mata atlântica, como o tucano-de-bico-preto, o gavião bombachinha, a saíra-de-sete-cores, mamíferos como anta e a onça pintada, crustáceos etc. 

Casal de tiê-sangue olhando, assustado e preocupado, a derrubada de árvores para construção de um condomínio – Ilustração: Maurício Veneza

Também em O Tiê, a abordagem dos temas é feita sem panfletagem ou sisudez. Mas com ação e buscando soluções pelo bem comum. 

Para facilitar o trabalho com os livros nas escolas, são desenvolvidos roteiros com sugestões para os professores o usarem em aula. 

Para concluir, uma boa notícia: enquanto escrevia esta coluna, sou informada que Nathália, a passarinhóloga, acaba de lançar seu primeiro livro infantil, O Sabiá e os Pássaros de Fogo, que tem como personagem o sabiá-poca (Turdus amaurochalinus),

espécie que pode ser encontrada em diversas cidades do sul e sudeste. 

Por sinal, falando em sabiá, é o laranjeira (T. rufiventris), ave-símbolo do Brasil, um dos personagens principais do meu mais recente livro infantil, A Gata Pérola, o Sabiá e o Mistério do Sumiço do Cachorro, que se passa em uma cidade grande, como São Paulo. Ao reconhecer o sabiá nas ruas e árvores do seu bairro, as crianças podem se identificar mais, não acreditar que passarinho é algo distante, privilégio de quem mora na mata, e lutar para a manutenção de praças e jardins na cidade. Além do mais, criança é sempre multiplicadora de mensagens em casa e a família toda acaba envolvida. 

Este texto foi originalmente publicado no portal FaunaNews.

O Capacetinho em Arceburgo

Quem me acompanha nas mídias sociais já sabe que tenho um carinho especial pelo município de Arceburgo, no sul de Minas, na região cafeeira de Guaxupé e a caminho da linda Serra da Canastra, lugar mágico para passear, fazer trilhas e ver aves. 

Pois, a cidade de pouco mais de 10 mil habitantes foi fundada pelo meu trisavô que, devoto de São João, a batizou de São João da Fortaleza. Fortaleza era o nome da sua fazenda, que acabou atraindo gente para comercializar gado e café, a vila foi crescendo e assim nasceu a cidade. Nos anos 1960, um prefeito resolveu trocar seu nome para Arceburgo. 

No começo do século 20, a cidade recebeu muitos imigrantes italianos e sírio-libaneses, que chegaram para trabalhar nas lavouras de café, que, junto com o leite, era uma das principais atividades da região. Hoje os descendentes de toda essa gente compõem a diversidade que é uma das riquezas do lugar.

Apesar da vocação agrícola, Arceburgo teve parte de suas matas preservadas e hoje o município de 162 mil km2 exibe, orgulhoso, 284 espécies de aves com foto na plataforma WikiAves, estando entre os primeiros 50 municípios mineiros no quesito número de espécies de aves. 

Quem deve levar boa parte do crédito por isso é o meu amigo Ademir Carosia, secretário do meio ambiente do município, incansável nos projetos de educação ambiental da população local e também de municípios vizinhos, e responsável por Arceburgo ter se tornada conhecida como “a cidade dos beija-flores. Dezessete espécies de beija-flores, e alguns lindos e nada comuns, como o bico-reto-azul (Heliomaster furcifer) (foto) e o de bochecha-azul (Heliothryx auritus), já foram registrados lá.

Isso se deve ao reflorestamento especialmente urbano que fez, com o plantio de espécies que dão flores para atrair os pequenos pássaros, em calçadas, praças e no parque ambiental.

Plantio

Eu tenho procurado fazer a minha parte, com o plantio anual de mudas de espécies de árvores nativas que atraem pássaros e ainda insetos polinizadores – como abelhas, vespas e borboletas. E com o levantamento das aves do município, que registro tanto no WikiAves como na plataforma internacional EBird, do Departamento de Ornitologia da renomada Universidade de Cornell, dos Estados Unidos. 

Neste ano de pandemia, em que passei boa parte do ano isolada com meu marido na propriedade rural da minha família lá, consegui ampliar essas descobertas e registros. Delícia explorar e procurar passarinhos na mata e suas bordas, o jardim em volta da casa, o pomar, entre outros locais.

Mas, apesar do avanço que fizemos no levantamento das aves locais, eu nutria um desejo, nada secreto: encontrar o capacetinho-do-oco-do-pau (Microspingus cinereus), ave vulnerável globalmente e registrada em apenas quatro estados brasileiros: MG, GO, ES e SP, além do Distrito Federal. Em SP, foi avistado em poucos municípios, tendo somado menos de 80 registros, sendo considerado praticamente extinto. Mesmo em Minas, onde tem mais de 900 registros, é considerado vulnerável, pela perda de habitat e substituição do cerrado por gramíneas e outras plantas invasoras. 

É como se encontrar o capacetinho coroasse a boa preservação ambiental de Arceburgo. O que não deixa de ser verdade.

Quando vi que o amigo José Mauro Monteiro o registrou no município vizinho de Guaranésia, em setembro do ano passado, me acendeu uma esperança e, a partir daí, passei a procurá-lo nas minhas andanças, a pé, a cavalo ou de bicicleta, em Arceburgo.

Em agosto deste ano, Luciano Bernardes foi a Arceburgo, a convite meu e do Ademir, para nos ajudar a levantar as espécies de lá. Nada como o ouvido, os olhos e a experiência dos guias. Já estiveram por lá Demis Bucci, Gustavo Pinto e Jefferson Otaviano, que nos ajudaram bastante. Sem contar a amiga Aline Patrícia Horikawa, de São Sebastião do Paraíso, e seu marido Gerson. O casal, muito talentoso, conseguiu encontrar diversas novas espécies na região, mas se mudou há cerca de dois anos para o Japão e, desde então, paramos de contar com sua agradável e prestimosa companhia nas passarinhadas.

Ademir e Luciano procurando aves nos ipês

Comentando com Luciano sobre o meu desejo de ver o capacetinho, ele falou que poderia me levar a Caconde (SP), cidade de sua família e relativamente perto de Arceburgo, onde ele sabia onde encontrar o pássaro. Falei que esperaria mais um pouco, porque tinha fé que o veria no município mineiro.

E eis que chega o dia

Gritador: espécie # 283 de Arceburgo

No final de semana de 12 de dezembro, eu comemorava o registro na fazenda de um gritador (Sirystes sibilator), simpática espécie, que é relativamente comum, mas que era lifer para Arceburgo. 

Foi quando vejo nas redes sociais post do Ademir pedindo ajuda para identificar um passarinho visto em área de borda de mata de Arceburgo e não tive dúvidas: era o capacetinho-do-oco-do-pau. Viva!

No dia seguinte, Ademir me liga à tarde, para dizer que poderia sair pouco antes das quatro horas da Secretaria e, se eu quisesse, poderíamos ir no mesmo local, tentar ver o capacetinho. Que pergunta! Claro que eu queria! 

E, na hora marcada, fui encontrá-lo na Secretaria e lá fomos nós. Deixamos o carro a pouco mais de um quilômetro do açude e da mata, vestimos as perneiras que nos protegeriam de cobras, pulamos duas cercas, andamos no mato alto, nos aquietamos, procuramos e esperamos. 

Era uma tarde bem quente, já com nuvens que prenunciavam as costumeiras chuvas de verão que estavam caindo diariamente lá; assim, nada era certo. Colocamos o som do capacetinho, em uma técnica chamada playback, que poderia funcionar ou não para atraí-lo e que não gostamos de abusar, para não estressar as aves. Mas, de repente, escutamos a resposta ao piado que havíamos tocado. Era o capacetinho, vibramos!

Muito ágil, mas nada tímida, a avezinha ficou vocalizando em galhos de árvores e arbustos, voando para lá e para cá. E logo apareceu um segundo capacetinho.

Depois de muito admirá-lo, sem conseguir conter a emoção, depois nos sentamos na beira do açude, para relaxar e apreciar a paisagem, quando os primeiros pingos grossos da chuva começaram a cair e nos deram o sinal que era hora de partir e proteger o equipamento fotográfico.

Chegando de volta à casa, meu marido e minha mãe queriam saber se eu tinha visto finalmente o tal famoso capacetinho. Ao mostrar as fotos ao meu marido, ele falou: “é bonitinho, mas nada especial; parece uma lavadeira-mascarada…”.

Bom, eu adoro as simpáticas lavadeiras-mascaradas, mas é bem mais difícil encontrar um capacetinho-do-oco-do-pau do que uma delas, não? Ou será que exagerei na valorização dessa avezinha?

A simpática lavadeira-mascarada

A empolgação do professor conta pontos na sensibilização ambiental dos estudantes

Por Cristina Rappa

Eu acredito na combinação de alguns fatores para que um educador tenha sucesso em relação ao desempenho de seus alunos na escola, na sua vida profissional e – por que não? – pessoal: boa estrutura e apoio por parte da instituição de ensino, contar com materiais adequados, ter metodologia, e inspiração e motivação. A motivação e o interesse por parte dos professores fazem toda a diferença e acabam contagiando os estudantes, penso. Pelo menos aqueles que se encontram no meio da Curva de Gauss.

“Eu costumo me empolgar”, reconhece a Profa. Ermelinda Gandra Araújo Costa, que dá aulas em Timóteo, município mineiro situado no chamado Vale do Aço, a mais de 200 km de Belo Horizonte. A auto definição é precisa.

Conheci a Profa. Ermelinda em 2017, quando ela e seus colegas receberam uma orientação da diretoria do Centro Educacional Católico do Leste de Minas Gerais, em que lecionava, para que fosse seguida a linha da Campanha da Fraternidade daquele ano, que destacava a importância da preservação ambiental. Ela acabou escolhendo o meu livro Topetinho Magnífico (Ed. Melhoramentos, 2012) para trabalhar com seus alunos do 4º ano do ensino fundamental do ensino fundamental na mostra literária bienal que aconteceria no colégio naquele ano, e fez contato comigo para trocar ideias e mostrar os trabalhos que estavam desenvolvendo.

“Gosto de trabalhar com meus alunos obras literárias relacionadas a temas ambientais e me apaixonei de cara pelo Topetinho e seus amigos emplumados”, conta-me ela. “Se conseguirmos plantar a sementinha da preservação do ambiente na cabeça e no coração deles, já estamos fazendo muita coisa pelo planeta”, completa a professora mineira.

Além de se interessar pela conservação da natureza e acreditar no potencial das crianças como multiplicadoras dessas mensagens em suas casas e comunidade, a Profa. Ermelinda aposta no potencial da arte para sensibilizar e servir de meio para divulgar esse discurso conservacionista.

Nessa linha, incentiva seus alunos a contarem as estórias em desenhos, pinturas, maquetes, peças de teatro, poesia e cordel, entre outras formas de expressão. Sem falar nas redações, em que dão suas versões do texto lido e discutido em classe. “Eles representaram bem a história do Topetinho de diversas formas”, conta ela, falando especificamente sobre um dos meus livros.

Rio Doce

Timóteo está inserido na região do Vale do Aço e do Parque Estadual do Rio Doce, o mesmo rio que sofreu com o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana, MG, em novembro de 2015. Além da tragédia em Mariana, que afetou bastante o rio e toda região, Ermelinda menciona uma grande queimada que o parque teria sofrido em 2019. Ela acabou sendo controlada, mas a vigilância constante por parte da população é fundamental para se evitarem incêndios não só criminosos como acidentais, criados a partir de uma queima imprudente de lixo ou de uma soltura de um balão, por exemplo.

“Procuro passar para meus alunos os cuidados que temos que ter com o nosso meio ambiente”, diz, ciente de que esses aprendizados “são para o bem de todos”.

Além dos trabalhos desenvolvidos a partir dos livros, a Profa. Ermelinda coordena outras atividades com seus alunos. Como os programas de observação de aves, realizados em parques da cidade, como o Centro de Biodiversidades de Usipa (Cebus), da Usiminas. No ano passado, o projeto Xerimbabo, criado dentro da plataforma de educação ambiental da Usiminas teve como tema “Eu vi um passarinho”. E lá estavam Ermelinda e sua turma de alunos. E não é que o grupo fez até um lifer, termo que se dá ao primeiro registro de uma espécie, para o lugar?

Estudantes consultam guia de aves, para tentar identificar as que avistaram no parque.

Escola pública

Aí a gente tende a pensar que não desenvolver essas atividades e obter boa resposta por parte de alunos de uma escola particular não é grande desafio. E se fosse uma escola pública, onde as condições costumam ser mais precários, os estudantes têm menos acesso a recursos e são normalmente menos estimulados em casa?

Pois a Profa. Emerlinda também dá aulas em uma escola pública do ensino fundamental da cidade, e levou em 2019 o Topetinho para lá e aconteceu a mesma coisa: sentiu a mesma boa receptividade por parte dos alunos com o tema. “Eles amaram e fizeram trabalhos lindos”, afirma a educadora, completando que nessa escola pública, “os pais são bastante presentes e parceiros da escola e abraçam as causas junto conosco”.

Seu entusiasmo só arrefece um pouco quando fala das restrições impostas pela pandemia: “O ensino remoto está uma loucura! Amo o que faço, que é estar em sala de aula, e não poder ver os alunos presencialmente é muito difícil”, lamenta.

E daqui para a frente, para quando a pandemia passar?, pergunto à professora sobre seus planos.  Continuar o seu trabalho de sensibilização para as causas ambientais com suas turmas de alunos e “fazer um comedouro para os pássaros que aparecem no sítio do meu tio, em Tijuco Preto, para onde costumamos ir nos momentos de folga”, responde rapidamente e com convicção.

“Saímos da roça, mas a roça não saio de mim até hoje”, explica a professora mineira, com um riso maroto.

Nota: Artigo publicado originalmente no site FaunaNews.

Topetinho vai à escola

Será que criança curte estórias de passarinho? Esta dúvida apareceu quando a Editora Melhoramentos me convidou para contar a estória do meu primeiro livro infantil, Topetinho Magnífico, em escolas de municípios paulistas, após seu lançamento, em junho de 2012.

Jornalista de formação, com experiência em jornais diários, revistas e em comunicação corporativa, eu só tinha até escrever o livro experiência em falar com adultos.

Sempre gostei de animais, especialmente os silvestres, e suas causas sempre me interessaram e tocaram. Com interesse em ciências biológicas, acabei indo para o jornalismo dada a minha paixão pela leitura e redação, e dentro do jornalismo acabei atuando em editorias ou veículos especializados em ciências, meio ambiente e agricultura.

Quando saí de um cargo executivo em uma multinacional norte-americana e em fase de guinada na vida, veio a sugestão, por parte de uma amiga que já havia publicado mais de uma centena de livros para crianças, de escrever um livro para esse público, uma vez que as escolas estavam demandando mais textos com cunho de preservação ambiental.

Bom, sabe aquela dúvida que mencionei sobre os eventos com as crianças? Pois bem, apareceu pela primeira vez. Será que eu iria me dar bem escrevendo para esse público? Eu nem filhos tive. E linguagem meio gugu-dada, que idiotiza a criança, eu não iria conseguir fazer. Acho que nem era esse o propósito da editora.

Eu nem tinha começado a observar aves, mas fui ao lançamento de um guia de aves de ornitólogos, editado pela empresa de um conhecido, e folheando o material me encantei com um beijaflorzinho muito pequeno (cerca de 4,5 cm), com um lindo topete vermelho, endêmico do Brasil e existente em nossa mata atlântica e cerrado. Foi o clique.

Pesquisas e estudos mais tarde, nascia a estória do passarinho que foi caçado por traficantes de aves silvestres, para ser vendido em feiras de grandes cidades brasileiras ou “exportado” para fora. Afinal, há gringos que criticam o Brasil por desmatar a Amazônia mas adoram desfilar com uma arara ou papagaio dos trópicos.

Entre os personagens, além do Lophornis magnificus, o Topetinho Magnífico que dá nome ao livro, outras aves bonitas ou ameaçadas, como o bicudo (grande vítima das gaiolas, em função de seu canto lindo) e o picapau-de-parnaíba (Celeus obrieni), dado como extinto até ser redescoberto no interior do Tocantins no começo dos anos 2000 cerca de oitenta anos sem ser observado.

Para tratar um tema tão sério como o comércio de animais silvestres para crianças, resolvi lançar mão de muita ação, diálogos e até humor. Não é porque o tema é sério que o texto precisa ser sisudo, né?

Mandei o texto para Editora Melhoramentos e – um pouco para a minha surpresa, sem falar na alegria – logo veio o contrato para assinar. O livro seria oferecido em escolas do ensino fundamental em todo o Brasil. Fiquei muito contente, porque seria uma oportunidade para as crianças tomarem conhecimento do tema do tráfico de animais silvestres. Mais tarde, o abordaria em outra mídia: um artigo na Folhinha, o encarte infantil que a Folha de S. Paulo publicou por anos.

Livro ilustrado com maestria por Maurício Veneza, diagramado, impresso e lançado, começaram os eventos com as crianças, em escolas que já tinham adotado o material ou que o adotariam.

Não é que a experiência com crianças foi ótima e me cativou? Taí um público que se interessa, participa, conta suas experiências (escutei muitos casos das caçadas do tio, do papagaio da avó…), dá sugestões (“Tia, por que o Topetinho, que tem asas, não vai viajar?”, “Por que o Topetinho não conhece uma Topetinha, se apaixona perdidamente e se casa?”, e por aí vai), faz perguntas.

Crianças em entidade de apoio à educação na zona sul de SP assistem a uma das palestras.

Gostei da experiência e não parei mais, levando o Topetinho e os temas da preservação ambiental e da valorização da nossa rica biodiversidade por meio das aves a escolas e/ou entidades com crianças carentes de diversos locais. Minha ideia era plantar sementinhas e sensibilizar as crianças para serem multiplicadoras dessas mensagens visando a mudar a realidade da caça e da gaiola, ainda forte em várias regiões do país, inclusive na periferia das nossas grandes cidades. Além de uma crueldade, uma forte ameaça à nossa biodiversidade.

Em uma dessas atividades, a professora organizou uma peça de teatro com o tema, representada por crianças que viviam em situação de precariedade em bairros pobres da capital paulista. Foi uma emoção! E Fábio, o menino filho de catadores de materiais recicláveis em São Paulo que viveu o Topetinho, pintou o topete de vermelho e encarnou com maestria, na forma e no conteúdo, o passarinho. A professora me contou depois que a atuação dele surpreendeu a todos, uma vez que ele costumava ser muito tímido e que quase não se expunha. Pelo visto, o Topetinho deu o clique em Fábio também. Transformador esse topetinho!

Depois de Topetinho Magnífico, eu lançaria mais dois outros livros infantis tendo aves como heróis: O Soldadinho da Caatinga (Florada Editorial, 2018) e O Tiê da Mata Atlântica (Florada, 2019). Bom, mas isso fica para uma outra coluna…

Fábio, que estuda na Unibes, em SP, encarnou o Topetinho em peça na escola.

*Este texto, de autoria de Cristina Rappa, foi publicado originalmente no portal Fauna News.