Observando aves no Panamá

É preciso ser bem sincera: foi uma decisão de viagem pragmática, não daquelas sonhadas e planejadas. Apreensivos com o lento ritmo da vacinação contra a covid-19 no Brasil, meu marido e eu decidimos ir nos imunizar nos Estados Unidos, onde estavam vacinando mais de 3 milhões de pessoas por dia, inclusive para a faixa etária abaixo dos sessenta. E o Panamá era um dos poucos países onde era possível fazer quarentena para entrar nesse país e que permitia a entrada de viajantes chegando do Brasil. Com a vantagem de não ter muitos casos da doença, em comparação com outra opção, o México.

Decididos, viajamos, em 26 de março, para o pequeno país que fica no istmo que divide as Américas Central e do Sul. Foi bom termos decidido rapidamente (em uma semana) a viagem. Cinco dias depois, até o Panamá fecharia suas fronteiras para viajantes do Brasil.

E não é que foi uma grata surpresa a estada lá?

Quem diria que um país com pouco mais que 75 mil km2 de área (mais ou menos duas vezes o Estado de Pernambuco) contaria com cerca de mil espécies de aves? Mais do que a variedade de espécies dos EUA e Canadá juntos, sendo que não há comparação em termos de área.

Oito espécies endêmicas e cerca de 120 migratórias podem ser encontradas no Panamá, sendo que a espécie-símbolo das aves de lá é a majestosa e quase ameaçada Harpia (Harpia harpyja), o gavião-real. Apesar de ser um predador muito eficaz, caçando macacos, outros mamíferos e aves, por falta de habitat, em função do desmatamento, e da caça, por ser muito grande e estigmatizada, ela encontra-se ameaçada em diversos países. Como outros predadores no topo da cadeia – como a onça-pintada – sua preservação é vital para o equilíbrio do ecossistema.

Marta (esq.) e Edwin me apresentam as aves do Panamá.

E foi a Harpya que me levou até uma agência muito bacana com quem passarinhei duas vezes no país: a Whitehawk Birding & Protecting. A agência foi criada por um grupo de biólogos que faz um trabalho de estudo e conservação da rapinante, e que envolve educação ambiental nas escolas do país. Tudo a ver comigo, né?

Dois amigos brasileiros birdwatchers tinham me alertado sobre a variedade e beleza dos pássaros daquele país, que faz divisa com a Colômbia, a leste, e a Costa Rica, a oeste, duas mecas da observação de aves. A Colômbia, em função da posição geográfica e da Cordilheira dos Andes, é o país que reúne mais espécies de aves no mundo. O Brasil vem em segundo lugar, com cerca de 1920 espécies.

Aí, pesquisando, encontrei e fiz contato com a agência, e logo a Marta Curti, uma das biólogas, me respondeu e acertamos um tour privado, para mim e meu marido, com todas as regras de segurança sanitária exigidas nestes tempos de pandemia. O programa, de cerca de oito horas de duração, começaria em Gamboa, pequena cidade na entrada do Canal do Panamá que foi construída para abrigar as famílias de funcionários que trabalharam na sua construção. Essas casas, feitas de madeira, coloridas e com garagens para barcos embaixo, são uma atração a parte do lugar.

De lá, o tour seguiu pela Pipeline Road, dentro do Parque Nacional de Soberanía. A aves de lá são muito curiosas e pouco ariscas (como o lindo anambé-una) , e dentro do parque há ainda a sede do Rainforest Discovery Center, com diversos bebedouros para beija-flores, que oferecem ao visitante um lindo e colorido espetáculo.

A harpia é muito difícil de se ver, logo me alertam Marta e o guia local, Edwin Campbell, de ouvido muito afiado e que já morou no Brasil, no Mato Grosso do Sul e em Santa Catarina. A filha mais velha de Edwin, Sophia, nasceu e aprendeu a falar no Brasil, e acabou ganhando de presente um exemplar do meu novo livro infantil, As aventuras do Topetinho Magnífico na Amazônia. Os ninhos da águia ficam muito no alto das árvores e são mais encontrados em áreas mais distantes da capital, Panamá City, me explicam os guias.

Assim, descartada a possibilidade de ver a harpia (eu já tinha avistado uma de longe, em telescópio, do alto de uma torre em Alta Floresta/MT, e um ninho com filhote na reserva da Veracel, em Porto Seguro/BA), elegi os simpáticos surucuás (da família Trogonidae) e os tangarás (família Pipridae) as aves-símbolo do Panamá.

Vi muitos surucuás, de cinco espécies, como este de-cauda-branca, entre as mais de 90 espécies registradas nesse dia de passarinhada.

As imagens não ficaram boas, porque eu costumo levar em viagens ao exterior a câmera compacta, cujas fotos no meio da mata e em dias nublados têm menos qualidade. E não é que parece que as aves adoram ficar na contra-luz! Foi o que aconteceu com todas as fotos dos lindos tucanos-de-garganta-amarela (Keel-billed) .

Sem falar, que não recarreguei a bateria da câmera na véspera do passeio, e ela acabou na hora do almoço, me privando de registrar os beija-flores. Todavia, foi boa oportunidade para passarinhar com o ótimo binóculo Vortex que a Marta me emprestou e me dedicar a apreciar os sons das aves, ao invés de ficar brigando com o foco da câmera.

Lendo, semanas mais tarde, nos EUA, um artigo assinado por ela na revista Birdwatching sobre “orniterapia”, que é usar a observação de aves para desestressar e ficar mais focado, concluo que foi acertada a troca.

Satisfeita com o tour e admirada com a beleza e a variedade da fauna do Panamá, marco outro passeio, de barco, pelo canal, o rio Chagres e o lago Gatún, para ver de outro ângulo a natureza de lá. Nesse dia, quem acompanha Edwin na guiada é o biólogo espanhol Angel.

No passeio, vemos muitos gaviões, com destaque para dezenas de caramujeiros (Rostrhamus sociabilis) e o caranguejeiro-negro (Buteogallus anthracinus), garças (azuis, tricolores e brancas), martins-pescadores, marrecas, andorinhas e muitos primatas, como o macaco-prego-de-cabeça-branca (Cebus imitatur) (foto abaixo).

Dias depois eu encararia sozinha, sem guia, uma manhã de trilhas e passarinhada no parque Metropolitano, em Panamá City, onde escutei uma barbaridade de sons de aves, mas tive muita dificuldade em identificá-las. Que falta faz um guia! Especialmente quando não estamos familiarizados com as aves do lugar.

Ao final das duas semanas de quarentena no Panamá, o saldo de minhas passarinhadas é de 139 espécies, me mostra o eBird, o aplicativo do departamento de ornitologia da Universidade de Cornell. Que maravilha!

Esporte, história e boa educação

Além da exuberante natureza tropical, que faz a alegria dos passarinheiros, o Panamá oferece boas condições para quem gosta de praticar esportes. Eu costumava correr na pista à beira-mar, com segurança e acompanhada por sabiás-da-praia, pelicanos e incontáveis e barulhentas gralhas boat-tailed, guaximins e gatos ferais, que são alimentados pelos moradores e vivem na orla, especialmente na região do Mercado de Mariscos.

Já aos domingos, as avenidas que acompanham o mar transformam-se em uma grande ciclovia, onde facilmente se consegue alugar uma bicicleta a um preço bem razoável.

Saindo das áreas dos esportes e da natureza, um passeio que recomendo é pelo Casco Viejo, a cidade antiga, com seus prédios históricos, que estão sendo restaurados, e repleta de bares e restaurantes simpáticos.

Sem falar no Museu do Canal, que conta a história do país e da construção dessa imensa obra de engenharia, iniciada pelos franceses em 1908 e finalizada pelos norte-americanos na década de 1920. O time francês, com o sucesso do Canal de Suez na bagagem, não conseguiu enxergar que as condições de topografia e clima no Panamá eram diferentes das do Oriente Médio, e fracassou. Aí os americanos assumiram e concluíram a obra sem gastar muito esforço e recursos na escavação e sim fazendo as eclusas.

O canal tem cerca de 90 km. Eu imaginava que fosse muito mais longo. Mas é bem largo.

Cristina Rappa

Navio passa pelo canal enquanto observo uma fêmea de socó-boi zelar pelo filhote no ninho.

Em 1513, o explorador espanhol Vasco Núnez de Balboa, sem contar com GPS, já imaginava que o istmo não fosse muito largo e liderou uma expedição para ir do Atlântico ao Pacífico. Esse logo se tornaria o caminho para escoar ouro e prata das Américas para a Espanha. Balboa é quem dá nome à moeda local, que vale o mesmo que o dólar norte-americano. Mas nem cheguei a pegar uma nota de Balboa, porque a economia panamenha é toda dolarizada e se paga tudo em dólar. O que representa uma facilidade para o turista, mas torna a vida bastante cara para os panamenhos.

Na Corrida do Ouro da Califórnia (1848–1855), o Panamá, em função de sua posição geográfica, viu sua população crescer bastante e prosperou, mas não foi um progresso duradouro. Foi com as obras do canal, que levou muita gente a abrir negócios para atender os trabalhadores da obra, que o país mais prosperou.

Pronto o canal, explorado pelos americanos até os anos 1970, o país passou a administrá-lo a partir de então sozinho, aumentou-o mais e, com a renda por ele gerada, tem crescimento econômico e índices de renda e IDH (0,815) melhores que de vários de seus vizinhos da América Central e do Sul.

Uma das coisas que mais nos surpreenderam positivamente no Panamá foi a educação da população com relação às normas sanitárias para a proteção contra o novo coronavírus. Não se via ninguém nas ruas, seja indo ou voltando do trabalho, passeando ou praticando esporte, sem máscara. Além disso, todos os estabelecimentos – que conseguiram sobreviver à crise acarretada pela pandemia – contavam com medidor de temperatura e ofereciam álcool em gel na entrada.

O governo foi bastante rígido na tentativa de controlar a pandemia, me conta meu amigo e ex-colega de trabalho que vive no país há alguns anos, Henrique Nogueira. Segundo ele, o Panamá ficou dez meses em lockdown, as pessoas com circulação bem limitada, sob o risco de serem presas caso burlassem as regras.

Dessa forma, por educação ou por medo de punição, sua população de cerca de 4,3 milhões de pessoas registrou pouco mais de 6 mil mortos pela covid-19 até o mês de abril, sendo que a média de mortes pela doença nesses primeiros meses de 2021 era de 4 por dia.