Observando aves no Panamá

É preciso ser bem sincera: foi uma decisão de viagem pragmática, não daquelas sonhadas e planejadas. Apreensivos com o lento ritmo da vacinação contra a covid-19 no Brasil, meu marido e eu decidimos ir nos imunizar nos Estados Unidos, onde estavam vacinando mais de 3 milhões de pessoas por dia, inclusive para a faixa etária abaixo dos sessenta. E o Panamá era um dos poucos países onde era possível fazer quarentena para entrar nesse país e que permitia a entrada de viajantes chegando do Brasil. Com a vantagem de não ter muitos casos da doença, em comparação com outra opção, o México.

Decididos, viajamos, em 26 de março, para o pequeno país que fica no istmo que divide as Américas Central e do Sul. Foi bom termos decidido rapidamente (em uma semana) a viagem. Cinco dias depois, até o Panamá fecharia suas fronteiras para viajantes do Brasil.

E não é que foi uma grata surpresa a estada lá?

Quem diria que um país com pouco mais que 75 mil km2 de área (mais ou menos duas vezes o Estado de Pernambuco) contaria com cerca de mil espécies de aves? Mais do que a variedade de espécies dos EUA e Canadá juntos, sendo que não há comparação em termos de área.

Oito espécies endêmicas e cerca de 120 migratórias podem ser encontradas no Panamá, sendo que a espécie-símbolo das aves de lá é a majestosa e quase ameaçada Harpia (Harpia harpyja), o gavião-real. Apesar de ser um predador muito eficaz, caçando macacos, outros mamíferos e aves, por falta de habitat, em função do desmatamento, e da caça, por ser muito grande e estigmatizada, ela encontra-se ameaçada em diversos países. Como outros predadores no topo da cadeia – como a onça-pintada – sua preservação é vital para o equilíbrio do ecossistema.

Marta (esq.) e Edwin me apresentam as aves do Panamá.

E foi a Harpya que me levou até uma agência muito bacana com quem passarinhei duas vezes no país: a Whitehawk Birding & Protecting. A agência foi criada por um grupo de biólogos que faz um trabalho de estudo e conservação da rapinante, e que envolve educação ambiental nas escolas do país. Tudo a ver comigo, né?

Dois amigos brasileiros birdwatchers tinham me alertado sobre a variedade e beleza dos pássaros daquele país, que faz divisa com a Colômbia, a leste, e a Costa Rica, a oeste, duas mecas da observação de aves. A Colômbia, em função da posição geográfica e da Cordilheira dos Andes, é o país que reúne mais espécies de aves no mundo. O Brasil vem em segundo lugar, com cerca de 1920 espécies.

Aí, pesquisando, encontrei e fiz contato com a agência, e logo a Marta Curti, uma das biólogas, me respondeu e acertamos um tour privado, para mim e meu marido, com todas as regras de segurança sanitária exigidas nestes tempos de pandemia. O programa, de cerca de oito horas de duração, começaria em Gamboa, pequena cidade na entrada do Canal do Panamá que foi construída para abrigar as famílias de funcionários que trabalharam na sua construção. Essas casas, feitas de madeira, coloridas e com garagens para barcos embaixo, são uma atração a parte do lugar.

De lá, o tour seguiu pela Pipeline Road, dentro do Parque Nacional de Soberanía. A aves de lá são muito curiosas e pouco ariscas (como o lindo anambé-una) , e dentro do parque há ainda a sede do Rainforest Discovery Center, com diversos bebedouros para beija-flores, que oferecem ao visitante um lindo e colorido espetáculo.

A harpia é muito difícil de se ver, logo me alertam Marta e o guia local, Edwin Campbell, de ouvido muito afiado e que já morou no Brasil, no Mato Grosso do Sul e em Santa Catarina. A filha mais velha de Edwin, Sophia, nasceu e aprendeu a falar no Brasil, e acabou ganhando de presente um exemplar do meu novo livro infantil, As aventuras do Topetinho Magnífico na Amazônia. Os ninhos da águia ficam muito no alto das árvores e são mais encontrados em áreas mais distantes da capital, Panamá City, me explicam os guias.

Assim, descartada a possibilidade de ver a harpia (eu já tinha avistado uma de longe, em telescópio, do alto de uma torre em Alta Floresta/MT, e um ninho com filhote na reserva da Veracel, em Porto Seguro/BA), elegi os simpáticos surucuás (da família Trogonidae) e os tangarás (família Pipridae) as aves-símbolo do Panamá.

Vi muitos surucuás, de cinco espécies, como este de-cauda-branca, entre as mais de 90 espécies registradas nesse dia de passarinhada.

As imagens não ficaram boas, porque eu costumo levar em viagens ao exterior a câmera compacta, cujas fotos no meio da mata e em dias nublados têm menos qualidade. E não é que parece que as aves adoram ficar na contra-luz! Foi o que aconteceu com todas as fotos dos lindos tucanos-de-garganta-amarela (Keel-billed) .

Sem falar, que não recarreguei a bateria da câmera na véspera do passeio, e ela acabou na hora do almoço, me privando de registrar os beija-flores. Todavia, foi boa oportunidade para passarinhar com o ótimo binóculo Vortex que a Marta me emprestou e me dedicar a apreciar os sons das aves, ao invés de ficar brigando com o foco da câmera.

Lendo, semanas mais tarde, nos EUA, um artigo assinado por ela na revista Birdwatching sobre “orniterapia”, que é usar a observação de aves para desestressar e ficar mais focado, concluo que foi acertada a troca.

Satisfeita com o tour e admirada com a beleza e a variedade da fauna do Panamá, marco outro passeio, de barco, pelo canal, o rio Chagres e o lago Gatún, para ver de outro ângulo a natureza de lá. Nesse dia, quem acompanha Edwin na guiada é o biólogo espanhol Angel.

No passeio, vemos muitos gaviões, com destaque para dezenas de caramujeiros (Rostrhamus sociabilis) e o caranguejeiro-negro (Buteogallus anthracinus), garças (azuis, tricolores e brancas), martins-pescadores, marrecas, andorinhas e muitos primatas, como o macaco-prego-de-cabeça-branca (Cebus imitatur) (foto abaixo).

Dias depois eu encararia sozinha, sem guia, uma manhã de trilhas e passarinhada no parque Metropolitano, em Panamá City, onde escutei uma barbaridade de sons de aves, mas tive muita dificuldade em identificá-las. Que falta faz um guia! Especialmente quando não estamos familiarizados com as aves do lugar.

Ao final das duas semanas de quarentena no Panamá, o saldo de minhas passarinhadas é de 139 espécies, me mostra o eBird, o aplicativo do departamento de ornitologia da Universidade de Cornell. Que maravilha!

Esporte, história e boa educação

Além da exuberante natureza tropical, que faz a alegria dos passarinheiros, o Panamá oferece boas condições para quem gosta de praticar esportes. Eu costumava correr na pista à beira-mar, com segurança e acompanhada por sabiás-da-praia, pelicanos e incontáveis e barulhentas gralhas boat-tailed, guaximins e gatos ferais, que são alimentados pelos moradores e vivem na orla, especialmente na região do Mercado de Mariscos.

Já aos domingos, as avenidas que acompanham o mar transformam-se em uma grande ciclovia, onde facilmente se consegue alugar uma bicicleta a um preço bem razoável.

Saindo das áreas dos esportes e da natureza, um passeio que recomendo é pelo Casco Viejo, a cidade antiga, com seus prédios históricos, que estão sendo restaurados, e repleta de bares e restaurantes simpáticos.

Sem falar no Museu do Canal, que conta a história do país e da construção dessa imensa obra de engenharia, iniciada pelos franceses em 1908 e finalizada pelos norte-americanos na década de 1920. O time francês, com o sucesso do Canal de Suez na bagagem, não conseguiu enxergar que as condições de topografia e clima no Panamá eram diferentes das do Oriente Médio, e fracassou. Aí os americanos assumiram e concluíram a obra sem gastar muito esforço e recursos na escavação e sim fazendo as eclusas.

O canal tem cerca de 90 km. Eu imaginava que fosse muito mais longo. Mas é bem largo.

Cristina Rappa

Navio passa pelo canal enquanto observo uma fêmea de socó-boi zelar pelo filhote no ninho.

Em 1513, o explorador espanhol Vasco Núnez de Balboa, sem contar com GPS, já imaginava que o istmo não fosse muito largo e liderou uma expedição para ir do Atlântico ao Pacífico. Esse logo se tornaria o caminho para escoar ouro e prata das Américas para a Espanha. Balboa é quem dá nome à moeda local, que vale o mesmo que o dólar norte-americano. Mas nem cheguei a pegar uma nota de Balboa, porque a economia panamenha é toda dolarizada e se paga tudo em dólar. O que representa uma facilidade para o turista, mas torna a vida bastante cara para os panamenhos.

Na Corrida do Ouro da Califórnia (1848–1855), o Panamá, em função de sua posição geográfica, viu sua população crescer bastante e prosperou, mas não foi um progresso duradouro. Foi com as obras do canal, que levou muita gente a abrir negócios para atender os trabalhadores da obra, que o país mais prosperou.

Pronto o canal, explorado pelos americanos até os anos 1970, o país passou a administrá-lo a partir de então sozinho, aumentou-o mais e, com a renda por ele gerada, tem crescimento econômico e índices de renda e IDH (0,815) melhores que de vários de seus vizinhos da América Central e do Sul.

Uma das coisas que mais nos surpreenderam positivamente no Panamá foi a educação da população com relação às normas sanitárias para a proteção contra o novo coronavírus. Não se via ninguém nas ruas, seja indo ou voltando do trabalho, passeando ou praticando esporte, sem máscara. Além disso, todos os estabelecimentos – que conseguiram sobreviver à crise acarretada pela pandemia – contavam com medidor de temperatura e ofereciam álcool em gel na entrada.

O governo foi bastante rígido na tentativa de controlar a pandemia, me conta meu amigo e ex-colega de trabalho que vive no país há alguns anos, Henrique Nogueira. Segundo ele, o Panamá ficou dez meses em lockdown, as pessoas com circulação bem limitada, sob o risco de serem presas caso burlassem as regras.

Dessa forma, por educação ou por medo de punição, sua população de cerca de 4,3 milhões de pessoas registrou pouco mais de 6 mil mortos pela covid-19 até o mês de abril, sendo que a média de mortes pela doença nesses primeiros meses de 2021 era de 4 por dia.

O Capacetinho em Arceburgo

Quem me acompanha nas mídias sociais já sabe que tenho um carinho especial pelo município de Arceburgo, no sul de Minas, na região cafeeira de Guaxupé e a caminho da linda Serra da Canastra, lugar mágico para passear, fazer trilhas e ver aves. 

Pois, a cidade de pouco mais de 10 mil habitantes foi fundada pelo meu trisavô que, devoto de São João, a batizou de São João da Fortaleza. Fortaleza era o nome da sua fazenda, que acabou atraindo gente para comercializar gado e café, a vila foi crescendo e assim nasceu a cidade. Nos anos 1960, um prefeito resolveu trocar seu nome para Arceburgo. 

No começo do século 20, a cidade recebeu muitos imigrantes italianos e sírio-libaneses, que chegaram para trabalhar nas lavouras de café, que, junto com o leite, era uma das principais atividades da região. Hoje os descendentes de toda essa gente compõem a diversidade que é uma das riquezas do lugar.

Apesar da vocação agrícola, Arceburgo teve parte de suas matas preservadas e hoje o município de 162 mil km2 exibe, orgulhoso, 284 espécies de aves com foto na plataforma WikiAves, estando entre os primeiros 50 municípios mineiros no quesito número de espécies de aves. 

Quem deve levar boa parte do crédito por isso é o meu amigo Ademir Carosia, secretário do meio ambiente do município, incansável nos projetos de educação ambiental da população local e também de municípios vizinhos, e responsável por Arceburgo ter se tornada conhecida como “a cidade dos beija-flores. Dezessete espécies de beija-flores, e alguns lindos e nada comuns, como o bico-reto-azul (Heliomaster furcifer) (foto) e o de bochecha-azul (Heliothryx auritus), já foram registrados lá.

Isso se deve ao reflorestamento especialmente urbano que fez, com o plantio de espécies que dão flores para atrair os pequenos pássaros, em calçadas, praças e no parque ambiental.

Plantio

Eu tenho procurado fazer a minha parte, com o plantio anual de mudas de espécies de árvores nativas que atraem pássaros e ainda insetos polinizadores – como abelhas, vespas e borboletas. E com o levantamento das aves do município, que registro tanto no WikiAves como na plataforma internacional EBird, do Departamento de Ornitologia da renomada Universidade de Cornell, dos Estados Unidos. 

Neste ano de pandemia, em que passei boa parte do ano isolada com meu marido na propriedade rural da minha família lá, consegui ampliar essas descobertas e registros. Delícia explorar e procurar passarinhos na mata e suas bordas, o jardim em volta da casa, o pomar, entre outros locais.

Mas, apesar do avanço que fizemos no levantamento das aves locais, eu nutria um desejo, nada secreto: encontrar o capacetinho-do-oco-do-pau (Microspingus cinereus), ave vulnerável globalmente e registrada em apenas quatro estados brasileiros: MG, GO, ES e SP, além do Distrito Federal. Em SP, foi avistado em poucos municípios, tendo somado menos de 80 registros, sendo considerado praticamente extinto. Mesmo em Minas, onde tem mais de 900 registros, é considerado vulnerável, pela perda de habitat e substituição do cerrado por gramíneas e outras plantas invasoras. 

É como se encontrar o capacetinho coroasse a boa preservação ambiental de Arceburgo. O que não deixa de ser verdade.

Quando vi que o amigo José Mauro Monteiro o registrou no município vizinho de Guaranésia, em setembro do ano passado, me acendeu uma esperança e, a partir daí, passei a procurá-lo nas minhas andanças, a pé, a cavalo ou de bicicleta, em Arceburgo.

Em agosto deste ano, Luciano Bernardes foi a Arceburgo, a convite meu e do Ademir, para nos ajudar a levantar as espécies de lá. Nada como o ouvido, os olhos e a experiência dos guias. Já estiveram por lá Demis Bucci, Gustavo Pinto e Jefferson Otaviano, que nos ajudaram bastante. Sem contar a amiga Aline Patrícia Horikawa, de São Sebastião do Paraíso, e seu marido Gerson. O casal, muito talentoso, conseguiu encontrar diversas novas espécies na região, mas se mudou há cerca de dois anos para o Japão e, desde então, paramos de contar com sua agradável e prestimosa companhia nas passarinhadas.

Ademir e Luciano procurando aves nos ipês

Comentando com Luciano sobre o meu desejo de ver o capacetinho, ele falou que poderia me levar a Caconde (SP), cidade de sua família e relativamente perto de Arceburgo, onde ele sabia onde encontrar o pássaro. Falei que esperaria mais um pouco, porque tinha fé que o veria no município mineiro.

E eis que chega o dia

Gritador: espécie # 283 de Arceburgo

No final de semana de 12 de dezembro, eu comemorava o registro na fazenda de um gritador (Sirystes sibilator), simpática espécie, que é relativamente comum, mas que era lifer para Arceburgo. 

Foi quando vejo nas redes sociais post do Ademir pedindo ajuda para identificar um passarinho visto em área de borda de mata de Arceburgo e não tive dúvidas: era o capacetinho-do-oco-do-pau. Viva!

No dia seguinte, Ademir me liga à tarde, para dizer que poderia sair pouco antes das quatro horas da Secretaria e, se eu quisesse, poderíamos ir no mesmo local, tentar ver o capacetinho. Que pergunta! Claro que eu queria! 

E, na hora marcada, fui encontrá-lo na Secretaria e lá fomos nós. Deixamos o carro a pouco mais de um quilômetro do açude e da mata, vestimos as perneiras que nos protegeriam de cobras, pulamos duas cercas, andamos no mato alto, nos aquietamos, procuramos e esperamos. 

Era uma tarde bem quente, já com nuvens que prenunciavam as costumeiras chuvas de verão que estavam caindo diariamente lá; assim, nada era certo. Colocamos o som do capacetinho, em uma técnica chamada playback, que poderia funcionar ou não para atraí-lo e que não gostamos de abusar, para não estressar as aves. Mas, de repente, escutamos a resposta ao piado que havíamos tocado. Era o capacetinho, vibramos!

Muito ágil, mas nada tímida, a avezinha ficou vocalizando em galhos de árvores e arbustos, voando para lá e para cá. E logo apareceu um segundo capacetinho.

Depois de muito admirá-lo, sem conseguir conter a emoção, depois nos sentamos na beira do açude, para relaxar e apreciar a paisagem, quando os primeiros pingos grossos da chuva começaram a cair e nos deram o sinal que era hora de partir e proteger o equipamento fotográfico.

Chegando de volta à casa, meu marido e minha mãe queriam saber se eu tinha visto finalmente o tal famoso capacetinho. Ao mostrar as fotos ao meu marido, ele falou: “é bonitinho, mas nada especial; parece uma lavadeira-mascarada…”.

Bom, eu adoro as simpáticas lavadeiras-mascaradas, mas é bem mais difícil encontrar um capacetinho-do-oco-do-pau do que uma delas, não? Ou será que exagerei na valorização dessa avezinha?

A simpática lavadeira-mascarada

Acompanhando uma família de arirambas

Cristina Rappa

Durante a temporada de isolamento imposta pelo novo coronavírus na fazenda, no sul de Minas, pudemos observar melhor a natureza e seus movimentos, e, entre eles, acompanhar o comportamento das aves daqui. Que são muitas.

Em outras ocasiões, eu já mencionei, neste mesmo blog, a biodiversidade encontrada em Arceburgo, região de transição entre mata atlântica e cerrado onde já foram registradas, com foto e/ou som, 273 aves. Em uma caminhada pelos arredores da casa, por exemplo, não é difícil avistar cerca de 40 espécies de aves.

Cristina Rappa
Uma ariramba em busca de insetos. Reparem no bico comprido, parecendo uma agulha

Uma das espécies muito comuns por aqui e que já faz parte do nosso círculo de amigos (meu marido já as identifica pelo som), é de pássaros muitos simpáticos e vistosos, as arirambas-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda).

A ariramba, também conhecida como bico-de-agulha, mede cerca de 25 cm, tem um bico comprido (daí o segundo nome popular…), que lhe permite caçar bem insetos voadores, como vespas, borboletas e libélulas, que constituem seu cardápio básico. À primeira vista, para quem não a conhece, parece um beija-flor grande.

O casal costuma estar sempre junto, sendo o macho o de papo mais branco (esq.)

Costumam ser avistados em casais, sendo que o macho tem o papo mais branco do que a fêmea, e não são ariscos. Pelo contrário, acostumam-se bem à presença das pessoas. Para falar a verdade, até fazem questão de chamar a atenção dos humanos. Pelo menos, é isso que observo por aqui, toda vez que ando pelo jardim ou na borda da mata.

Há alguns anos um casal mora e faz ninhos no barranco em volta da casa aqui de Minas. O ninho da ariramba não é como um ninho comum de pássaros, como a gente costuma ver, feitos com gravetos colocados em galhos de árvores. A ave cava buracos em barrancos, onde bota os ovos e de onde entra e sai com frequência para alimentar os filhotes. Ótima solução para proteger a ninhada, enquanto pequena, de predadores, como gaviões e tucanos. Que, por sinal, são bem numerosos por aqui.

A ariramba mãe entra no ninho, feito no barranco, para alimentar os filhotes.

Esta é uma das minhas curiosidades: os filhotes. Nunca vi um. Imagino que eles devam colocar a carinha para fora do buraco para olhar o mundo em volta, e depois ensaiar seus primeiros voos. Quem sabe ainda dou sorte e vejo um, sem assustar os pais?

Enquanto escrevo esta crônica, chega uma poderosa frente fria por aqui, que baixas as temperaturas a sete graus Celsius em pleno mês de maio. O lado bom é que veio após dois dias de uma boa chuva, o que é sempre positivo para a natureza.

Mas quando a temperatura caiu fiquei três dias sem avistar o casal de arirambas. Será que estão recolhidos dentro do ninho, para se protegerem do frio, fiquei me perguntando. “Vai ver os filhotes já estavam na fase de abandonar o ninho”, tenta me consolar meu marido.

Hoje vi o macho na árvore ao lado do ninho. Pena que ele não conseguiu responder à minha dúvida.

Uma ariramba fêmea almoçando na beira da mata

Nota de atualização em 31 de maio: hoje avistei os pais em volta do ninho, caçando insetos e levando-os para dentro do buraco, para alimentar os filhotes, imagino. Fico feliz! Ainda com esperança de ver os pequenos.

As muitas aves de Arceburgo

Há sons que logo me fazem lembrar as minhas deliciosas férias na fazenda, no sul de Minas. São eles o zurro do jumentinho Dudu – quando eu era bem pequena e ficávamos na Casa de Baixo, da minha bisavó -, o canto da seriema, do anú-branco e do pombão.

Engraçado! De acordo com a minha memória auditiva, é que como se só houvesse esses pássaros, além dos de-sempre tico-ticos e pardais, que costumavam fazer ninho nos beiras da casa e estavam sempre por perto. Fraca a biodiversidade da época nas fazendas “café-com-leite”. Ou era eu que – apesar de desde pequena uma amante da natureza – não me atentava para esse tipo de observação?

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Pica-pau-de-topete-vermelho

E olha que a minha avó era daquelas pessoas que, intuitivamente, quando nem se falava em mudanças climáticas, seca e poluição, não permitia que se caçasse, pescasse e cortasse árvores em suas terras. Briguenta, expulsava meninos que entrassem portando estilingue. Brincadeira besta caçar passarinho, mas normal na época, principalmente na área rural. Hoje os moleques preferem o vídeo game. 

Pois neste início de novembro, o pequeno município de Arceburgo – que já foi São João da Fortaleza nos tempos em que eu nem era nascida e hoje conta com 10 mil habitantes – atinge bravamente a marca de 248 espécies de aves registradas na plataforma WikiAves, fazendo parte do time dos dez por cento campeões de Minas Gerais (posição inferior à de número 60, em 853 municípios do Estado), superando alguns lugares turísticos e maiores, inclusive da vizinha e belíssima Serra da Canastra. Muito bom sinal de preservação do ambiente! Os proprietários rurais da região pelo visto já sabem que é preciso manter a mata nativa, proteger as nascentes, fazer rotação de culturas, usar produtos adequados para combater pragas, entre outras práticas.

A área urbana, pelo seu lado, tem ruas arborizadas com espécies que atraem beija-flores, especialmente, e até um parque ambiental. Além disso, o fato de as pessoas saberem que é crime caçar e aprisionar um animal silvestre sem autorização, também ajuda, apesar de uma e outra gaiola com pássaros-pretos, trinca-ferros e canários que às vezes vemos, com tristeza. 

Agora contabilizo facilmente, apenas em volta da casa, muitas espécies, como canário-da-terra, que voltou após décadas de gaiolas, gaturamo-verdadeiro, choca-barrada, gralha-do-campo, ferreirinho-relógio, petrim, bem-te-vi, sabiá-do-barranco, lavadeira-mascarada, ariramba, pipira-vermelha, bacurau, sanhaços, saíra-amarela, um vasto time de andorinhas e pica-paus (de banda-branca, de topete-vermelho, rei, do-campo, verde-barrado e branco), maria-faceira e os ruidosos jandaia-de-testa-vermelha, periquito-rei, periquitão-maracanã e até maracanã-verdadeira. A lista é grande e de olho nessa turma, estão, em número também crescente, a coruja mucurututu-da-barriga-amarela, o carcará, o sovi, o gavião-carijó e o tucanuçu, entre outros predadores.

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Casal de carcarás observa a paisagem em busca de comida a ser caçada

Nem tudo são flores, mas sempre há esperança

Dois fatos nos preocuparam e entristeceram neste ano na região: a instalação de torres de energia cortando nossas terras – fato que tentamos, sem sucesso, evitar – e um incêndio de grandes proporções na mata da fazenda vizinha, local tradicional das nossas passarinhadas.

Cristina Rappa

A águia-cinzenta no alto da torre

No caso das torres, não é que elas nos brindaram com a presença de um casal de águias-cinzentas (Urubitinga coronata), espécie bastante ameaçada no Brasil, em função de perda da habitat e caça? Grande (chega a medir 84 cm), preda pequenos mamíferos, como gambás, ratos e lebres, além de serpentes. E, como gostam de se empoleirar no alto, as torres lhes pareceram um bom local para fazer ninho. Como as cegonhas de Portugal e as curicacas de Tavares/RS, para quem leu uma das minhas crônicas recentes.

Ou seja, mesmo coisas feias podem trazer beleza. A águia-cinzenta, avistada no feriado de Finados, foi a espécie de número 247 contabilizada em Arceburgo. No dia seguinte, meu amigo Ademir, que é secretário do meio ambiente do município, avistaria com emoção outra espécie ameaçada: o curió, pássaro muito querido pelos traficantes de aves.     

Quanto ao incêndio, o ano quente e seco, aliado a alguma possível imprudência humana, fizeram a linda mata arder, expulsando o lobo-guará, a jaguatirica, o cachorro-do-mato, as cobras e muitos passarinhos, sendo que muitos estavam em seus ninhos sem ainda saber voar, já que a queimada se deu no final de setembro, no início da primavera. Imensa tristeza! Queimadas, além da judiação com os animais que vivem na mata, representam perda de biodiversidade, poluição e contribuição para o aquecimento global, já que reduzem a floresta e jogam muito carbono na atmosfera.

Foi algo que eu nunca tinha visto por lá e espero nunca voltar a ver. Estima-se que a mata levará uns dez anos para se recuperar. Vou viver para ver e já me juntei aos passarinhos para espalhar sementes e apressar esse processo.

São Paulo rende um boa passarinhada, sim senhor!

Cristina Rappa

Recentemente, amigas que moram fora se surpreenderam com a minha divulgação de que a cidade de São Paulo abriga mais espécies de aves (465, de acordo com a enciclopédia WikiAves) do que países europeus como Itália (390) e Portugal (435).

Não há razão para ofensas ou mesmo ciúmes, e a explicação está na localização da capital paulista (bioma de Mata Atlântica, ou do que sobrou dela), a presença de parques e bairros arborizados em SP, uma maior conscientização quanto à necessidade de preservação das aves e do meio ambiente em geral, com moradores passando a plantar árvores frutíferas e outras que atraem passarinhos (como amoreiras, flamboyanzinhos, ipês e pitangueiras) nas calçadas e em seus próprios jardins.

O movimento – muito positivo – só tem aumentado. Grupos de observadores de aves amadores crescem, assim como os eventos, a ponto de chamarem a atenção da grande imprensa, essa normalmente tão voltada aos temas essencialmente urbanos, para o assunto. A revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo , por exemplo, publicaram no último ano três matérias sobre o assunto.

Eu mesma – que já fui “passarinhar” na reserva Cristalino, no sul da Amazônia, nos pantanais Sul e Norte, na Chapada do Araripe (CE), Serra da Canastra (MG), preparo-me para visitar a famosa Lagoa dos Peixes, no Rio Grande do Sul, sem falar na minha querida Arceburgo, no sul de MG, onde foram registradas 226 espécies de aves – já tive um pouco de preconceito com observar aves na capital paulista.

Cristina Rappa

O sabiá-laranjeira, ave-símbolo de São Paulo

Bobeira minha! Não é que em árvore na rua atrás da minha casa, a caminho da prática matutina de ioga, escuto um toc-toc e deparo com um lindo pica-pau-de-cabeça-amarela (Celeus flavescens), a ave que abre este post? Naquele dia, atrasei-me dez minutos para a prática, pois tive que voltar correndo para pegar a câmera para o importante registro.

Além do pica-pau, o meu bairro, próximo às movimentadas avenidas Rebouças e Faria Lima, abriga almas-de-gato (Piaya cayana), sabiás-laranjeiras (Turdus rufiventris), bem-te-vis (Pitangus sulphuratus), sanhaçus-cinzentos (Tangara sayaca), pombas-de-bando (Zenaida auriculata), corujas orelhudas (Asio clamator), gaivões Carcará (Caracara plancus), e os barulhentos e animados periquitos-ricos (Brotogeris tirica), entre outros.

Como avistá-los? Aguçar a sensibilidade, os ouvidos e os olhos nas caminhadas por ruas arborizadas e parques.

Para quem se interessar, há programas específicos como os organizados pelo Grupo Vem Passarinhar, do Observatório de Aves do Instituto Butantã, nas manhãs de todos os últimos sábados do mês.

Dá ainda para alargar o raio de cobertura das passarinhadas e ir até a Represa Billings, a Serra da Cantareira, o Jardim Botânico, o Parque do Carmo, ou a região de Itapevi e Cotia. Outro dia fiz esse programa, em que avistei e registrei diversas espécies da mata atlântica, como o araçari-poca (Selenidera maculirostris), a Sanã-parda (Laterallus melanophaius), a choquinha-carijó (Drymophila malura), e casais de gavião-peneira (Elanus leucurus) e de tesoura-do-brejo (Gubernetes yetapa). Uma delícia de programa para um domingo! Não quer sair da rotina e experimentar?

Cristina Rappa

Lindo casal de tesouras-do-brejo avistado em Itapevi, na Grande São Paulo