O Capacetinho em Arceburgo

Quem me acompanha nas mídias sociais já sabe que tenho um carinho especial pelo município de Arceburgo, no sul de Minas, na região cafeeira de Guaxupé e a caminho da linda Serra da Canastra, lugar mágico para passear, fazer trilhas e ver aves. 

Pois, a cidade de pouco mais de 10 mil habitantes foi fundada pelo meu trisavô que, devoto de São João, a batizou de São João da Fortaleza. Fortaleza era o nome da sua fazenda, que acabou atraindo gente para comercializar gado e café, a vila foi crescendo e assim nasceu a cidade. Nos anos 1960, um prefeito resolveu trocar seu nome para Arceburgo. 

No começo do século 20, a cidade recebeu muitos imigrantes italianos e sírio-libaneses, que chegaram para trabalhar nas lavouras de café, que, junto com o leite, era uma das principais atividades da região. Hoje os descendentes de toda essa gente compõem a diversidade que é uma das riquezas do lugar.

Apesar da vocação agrícola, Arceburgo teve parte de suas matas preservadas e hoje o município de 162 mil km2 exibe, orgulhoso, 284 espécies de aves com foto na plataforma WikiAves, estando entre os primeiros 50 municípios mineiros no quesito número de espécies de aves. 

Quem deve levar boa parte do crédito por isso é o meu amigo Ademir Carosia, secretário do meio ambiente do município, incansável nos projetos de educação ambiental da população local e também de municípios vizinhos, e responsável por Arceburgo ter se tornada conhecida como “a cidade dos beija-flores. Dezessete espécies de beija-flores, e alguns lindos e nada comuns, como o bico-reto-azul (Heliomaster furcifer) (foto) e o de bochecha-azul (Heliothryx auritus), já foram registrados lá.

Isso se deve ao reflorestamento especialmente urbano que fez, com o plantio de espécies que dão flores para atrair os pequenos pássaros, em calçadas, praças e no parque ambiental.

Plantio

Eu tenho procurado fazer a minha parte, com o plantio anual de mudas de espécies de árvores nativas que atraem pássaros e ainda insetos polinizadores – como abelhas, vespas e borboletas. E com o levantamento das aves do município, que registro tanto no WikiAves como na plataforma internacional EBird, do Departamento de Ornitologia da renomada Universidade de Cornell, dos Estados Unidos. 

Neste ano de pandemia, em que passei boa parte do ano isolada com meu marido na propriedade rural da minha família lá, consegui ampliar essas descobertas e registros. Delícia explorar e procurar passarinhos na mata e suas bordas, o jardim em volta da casa, o pomar, entre outros locais.

Mas, apesar do avanço que fizemos no levantamento das aves locais, eu nutria um desejo, nada secreto: encontrar o capacetinho-do-oco-do-pau (Microspingus cinereus), ave vulnerável globalmente e registrada em apenas quatro estados brasileiros: MG, GO, ES e SP, além do Distrito Federal. Em SP, foi avistado em poucos municípios, tendo somado menos de 80 registros, sendo considerado praticamente extinto. Mesmo em Minas, onde tem mais de 900 registros, é considerado vulnerável, pela perda de habitat e substituição do cerrado por gramíneas e outras plantas invasoras. 

É como se encontrar o capacetinho coroasse a boa preservação ambiental de Arceburgo. O que não deixa de ser verdade.

Quando vi que o amigo José Mauro Monteiro o registrou no município vizinho de Guaranésia, em setembro do ano passado, me acendeu uma esperança e, a partir daí, passei a procurá-lo nas minhas andanças, a pé, a cavalo ou de bicicleta, em Arceburgo.

Em agosto deste ano, Luciano Bernardes foi a Arceburgo, a convite meu e do Ademir, para nos ajudar a levantar as espécies de lá. Nada como o ouvido, os olhos e a experiência dos guias. Já estiveram por lá Demis Bucci, Gustavo Pinto e Jefferson Otaviano, que nos ajudaram bastante. Sem contar a amiga Aline Patrícia Horikawa, de São Sebastião do Paraíso, e seu marido Gerson. O casal, muito talentoso, conseguiu encontrar diversas novas espécies na região, mas se mudou há cerca de dois anos para o Japão e, desde então, paramos de contar com sua agradável e prestimosa companhia nas passarinhadas.

Ademir e Luciano procurando aves nos ipês

Comentando com Luciano sobre o meu desejo de ver o capacetinho, ele falou que poderia me levar a Caconde (SP), cidade de sua família e relativamente perto de Arceburgo, onde ele sabia onde encontrar o pássaro. Falei que esperaria mais um pouco, porque tinha fé que o veria no município mineiro.

E eis que chega o dia

Gritador: espécie # 283 de Arceburgo

No final de semana de 12 de dezembro, eu comemorava o registro na fazenda de um gritador (Sirystes sibilator), simpática espécie, que é relativamente comum, mas que era lifer para Arceburgo. 

Foi quando vejo nas redes sociais post do Ademir pedindo ajuda para identificar um passarinho visto em área de borda de mata de Arceburgo e não tive dúvidas: era o capacetinho-do-oco-do-pau. Viva!

No dia seguinte, Ademir me liga à tarde, para dizer que poderia sair pouco antes das quatro horas da Secretaria e, se eu quisesse, poderíamos ir no mesmo local, tentar ver o capacetinho. Que pergunta! Claro que eu queria! 

E, na hora marcada, fui encontrá-lo na Secretaria e lá fomos nós. Deixamos o carro a pouco mais de um quilômetro do açude e da mata, vestimos as perneiras que nos protegeriam de cobras, pulamos duas cercas, andamos no mato alto, nos aquietamos, procuramos e esperamos. 

Era uma tarde bem quente, já com nuvens que prenunciavam as costumeiras chuvas de verão que estavam caindo diariamente lá; assim, nada era certo. Colocamos o som do capacetinho, em uma técnica chamada playback, que poderia funcionar ou não para atraí-lo e que não gostamos de abusar, para não estressar as aves. Mas, de repente, escutamos a resposta ao piado que havíamos tocado. Era o capacetinho, vibramos!

Muito ágil, mas nada tímida, a avezinha ficou vocalizando em galhos de árvores e arbustos, voando para lá e para cá. E logo apareceu um segundo capacetinho.

Depois de muito admirá-lo, sem conseguir conter a emoção, depois nos sentamos na beira do açude, para relaxar e apreciar a paisagem, quando os primeiros pingos grossos da chuva começaram a cair e nos deram o sinal que era hora de partir e proteger o equipamento fotográfico.

Chegando de volta à casa, meu marido e minha mãe queriam saber se eu tinha visto finalmente o tal famoso capacetinho. Ao mostrar as fotos ao meu marido, ele falou: “é bonitinho, mas nada especial; parece uma lavadeira-mascarada…”.

Bom, eu adoro as simpáticas lavadeiras-mascaradas, mas é bem mais difícil encontrar um capacetinho-do-oco-do-pau do que uma delas, não? Ou será que exagerei na valorização dessa avezinha?

A simpática lavadeira-mascarada