Apresentando animais brasileiros às nossas crianças

Uma queixa comum e pertinente de biólogos e amantes da natureza é que, até pouco tempo atrás, as crianças brasileiras tinham a Chita, ou seja, os chimpanzés, espécie de primata exótico no Brasil, como referência de macacos. Sem falar em leões, elefantes, rinocerontes, animais de continentes como África e Ásia.

Minha geração – formada por pessoas acima dos cinquenta – aprendeu a gostar de animais assistindo a séries e filmes como Daktari (que criança não se encantava com o leão vesgo do protagonista?) e Tarzan. Tudo bem, cumpriam sua função de divertir, mas não tinham nada a ver com a nossa realidade e acabavam sendo nada educativos, se é que arte e literatura devam educar. Mas isso é uma outra discussão. De qualquer forma, não devem confundir e desinformar, não é?

De uns anos para cá, começou um movimento para levar os animais do nosso país às nossas crianças, para que elas, os conhecendo, passassem a ter uma referência da nossa realidade e a valorizar o nosso ambiente. Escolher como personagem a onça-pintada, ao invés de leopardo ou leão; sagui e bugio no lugar de chimpanzé; antas e por aí vai. Mas ainda são poucos os casos.

Sobre aves, contam-se nos dedos as obras que mostram as nossas. No cinema, a animação Rio promove para o mundo a ararinha-azul ,em produção norte-americana de 2012, contendo alguns vieses e incorreções; mas, mesmo assim, bem positiva. Na literatura, há poucos livros infantis que trazem aves do Brasil e uma lista deles pode ser conferida no blog da Passarinhóloga, a bióloga Nathália Allenspach.  

Tudo bem: em 1948, Jorge Amado escreveu em Paris O gato malhado e a andorinha sinhá, mas o gato mal humorado é o personagem principal e a história não tem brasilidade. Pode se passar em qualquer lugar. De qualquer forma, o texto de Amado, que escreveu o livro para o filho, e as ilustrações lindas de Carybé valem muito à pena.

Nossas aves como personagens

Apresentar as aves brasileiras às crianças, brasileiras ou não, foi uma das minhas preocupações com os meus livros, inaugurados com o Topetinho Magnífico, lançado em 2012 pela Ed. Melhoramentos.  E, especialmente, na coleção Aves & Biomas, lançada em 2018 com O Soldadinho da Caatinga, que tem como herói o soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni), o passarinho lindo, endêmico e ameaçado da Chapada do Araripe, no sul do Ceará, lugar que tive o privilégio de conhecer em 2015 e para onde, encantada, voltei duas outras vezes. Em 2018, já com a ideia do livro na cabeça, para conhecer melhor a inspiradora região, sua fauna e flora ricas; e, na última vez, em 2019, para lançar o livro para a comunidade local.

O soldadinho-do-araripe, protagonista de O Soldadinho da Caatinga, em ilustração de Maurício Veneza

No livro, o soldadinho viaja pelo interior do nordeste brasileiro, conhece outros representantes da fauna local, como as aves piu-piu (Myrmorchilus strigilatus) e periquito-da-caatinga (Eupsittula cactorum), o tatu e o jegue, aborda temas regionais, como o desmatamento, a falta d´água e o abandono dos jegues pelas estradas, as pinturas rupestres (paleontologia) no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e a cultura, com o Reisado de Caretas, festa típica da Chapada do Araripe.

A ideia com essa coleção é justamente esta: por meio de uma ave emblemática – por ser linda e/ou ameaçada – de um bioma brasileiro, levar às crianças temas regionais e conhecimento sobre esses locais e suas questões. Como no Topetinho, com linguagem leve, ação, muito diálogo e humor. Nada que lembre – pelo menos, foi essa a minha intenção – alguma enfadonha aula de geografia do passado. Pelo contrário, o objetivo é distrair o leitor-mirim e fazer com que ele se interesse e se encante pelas belezas do seu país e, com isso, passe a ser seu defensor. 

No segundo livro dessa série, lançado em 2019, elegi como cenário a mata atlântica, bioma do qual restam cerca de 12% da vegetação original e onde a maior parte da população brasileira vive.  

O Tiê da Mata Atlântica – que tem como protagonista o lindo e bastante comum no litoral do sudeste tiê-sangue (Ramphocelus bresilius) – aborda questões que preocupam nesse bioma, como desmatamento, poluição de praias, mangues e rios, e atropelamento de fauna. Entre os personagens, outras aves da mata atlântica, como o tucano-de-bico-preto, o gavião bombachinha, a saíra-de-sete-cores, mamíferos como anta e a onça pintada, crustáceos etc. 

Casal de tiê-sangue olhando, assustado e preocupado, a derrubada de árvores para construção de um condomínio – Ilustração: Maurício Veneza

Também em O Tiê, a abordagem dos temas é feita sem panfletagem ou sisudez. Mas com ação e buscando soluções pelo bem comum. 

Para facilitar o trabalho com os livros nas escolas, são desenvolvidos roteiros com sugestões para os professores o usarem em aula. 

Para concluir, uma boa notícia: enquanto escrevia esta coluna, sou informada que Nathália, a passarinhóloga, acaba de lançar seu primeiro livro infantil, O Sabiá e os Pássaros de Fogo, que tem como personagem o sabiá-poca (Turdus amaurochalinus),

espécie que pode ser encontrada em diversas cidades do sul e sudeste. 

Por sinal, falando em sabiá, é o laranjeira (T. rufiventris), ave-símbolo do Brasil, um dos personagens principais do meu mais recente livro infantil, A Gata Pérola, o Sabiá e o Mistério do Sumiço do Cachorro, que se passa em uma cidade grande, como São Paulo. Ao reconhecer o sabiá nas ruas e árvores do seu bairro, as crianças podem se identificar mais, não acreditar que passarinho é algo distante, privilégio de quem mora na mata, e lutar para a manutenção de praças e jardins na cidade. Além do mais, criança é sempre multiplicadora de mensagens em casa e a família toda acaba envolvida. 

Este texto foi originalmente publicado no portal FaunaNews.

Topetinho vai à escola

Será que criança curte estórias de passarinho? Esta dúvida apareceu quando a Editora Melhoramentos me convidou para contar a estória do meu primeiro livro infantil, Topetinho Magnífico, em escolas de municípios paulistas, após seu lançamento, em junho de 2012.

Jornalista de formação, com experiência em jornais diários, revistas e em comunicação corporativa, eu só tinha até escrever o livro experiência em falar com adultos.

Sempre gostei de animais, especialmente os silvestres, e suas causas sempre me interessaram e tocaram. Com interesse em ciências biológicas, acabei indo para o jornalismo dada a minha paixão pela leitura e redação, e dentro do jornalismo acabei atuando em editorias ou veículos especializados em ciências, meio ambiente e agricultura.

Quando saí de um cargo executivo em uma multinacional norte-americana e em fase de guinada na vida, veio a sugestão, por parte de uma amiga que já havia publicado mais de uma centena de livros para crianças, de escrever um livro para esse público, uma vez que as escolas estavam demandando mais textos com cunho de preservação ambiental.

Bom, sabe aquela dúvida que mencionei sobre os eventos com as crianças? Pois bem, apareceu pela primeira vez. Será que eu iria me dar bem escrevendo para esse público? Eu nem filhos tive. E linguagem meio gugu-dada, que idiotiza a criança, eu não iria conseguir fazer. Acho que nem era esse o propósito da editora.

Eu nem tinha começado a observar aves, mas fui ao lançamento de um guia de aves de ornitólogos, editado pela empresa de um conhecido, e folheando o material me encantei com um beijaflorzinho muito pequeno (cerca de 4,5 cm), com um lindo topete vermelho, endêmico do Brasil e existente em nossa mata atlântica e cerrado. Foi o clique.

Pesquisas e estudos mais tarde, nascia a estória do passarinho que foi caçado por traficantes de aves silvestres, para ser vendido em feiras de grandes cidades brasileiras ou “exportado” para fora. Afinal, há gringos que criticam o Brasil por desmatar a Amazônia mas adoram desfilar com uma arara ou papagaio dos trópicos.

Entre os personagens, além do Lophornis magnificus, o Topetinho Magnífico que dá nome ao livro, outras aves bonitas ou ameaçadas, como o bicudo (grande vítima das gaiolas, em função de seu canto lindo) e o picapau-de-parnaíba (Celeus obrieni), dado como extinto até ser redescoberto no interior do Tocantins no começo dos anos 2000 cerca de oitenta anos sem ser observado.

Para tratar um tema tão sério como o comércio de animais silvestres para crianças, resolvi lançar mão de muita ação, diálogos e até humor. Não é porque o tema é sério que o texto precisa ser sisudo, né?

Mandei o texto para Editora Melhoramentos e – um pouco para a minha surpresa, sem falar na alegria – logo veio o contrato para assinar. O livro seria oferecido em escolas do ensino fundamental em todo o Brasil. Fiquei muito contente, porque seria uma oportunidade para as crianças tomarem conhecimento do tema do tráfico de animais silvestres. Mais tarde, o abordaria em outra mídia: um artigo na Folhinha, o encarte infantil que a Folha de S. Paulo publicou por anos.

Livro ilustrado com maestria por Maurício Veneza, diagramado, impresso e lançado, começaram os eventos com as crianças, em escolas que já tinham adotado o material ou que o adotariam.

Não é que a experiência com crianças foi ótima e me cativou? Taí um público que se interessa, participa, conta suas experiências (escutei muitos casos das caçadas do tio, do papagaio da avó…), dá sugestões (“Tia, por que o Topetinho, que tem asas, não vai viajar?”, “Por que o Topetinho não conhece uma Topetinha, se apaixona perdidamente e se casa?”, e por aí vai), faz perguntas.

Crianças em entidade de apoio à educação na zona sul de SP assistem a uma das palestras.

Gostei da experiência e não parei mais, levando o Topetinho e os temas da preservação ambiental e da valorização da nossa rica biodiversidade por meio das aves a escolas e/ou entidades com crianças carentes de diversos locais. Minha ideia era plantar sementinhas e sensibilizar as crianças para serem multiplicadoras dessas mensagens visando a mudar a realidade da caça e da gaiola, ainda forte em várias regiões do país, inclusive na periferia das nossas grandes cidades. Além de uma crueldade, uma forte ameaça à nossa biodiversidade.

Em uma dessas atividades, a professora organizou uma peça de teatro com o tema, representada por crianças que viviam em situação de precariedade em bairros pobres da capital paulista. Foi uma emoção! E Fábio, o menino filho de catadores de materiais recicláveis em São Paulo que viveu o Topetinho, pintou o topete de vermelho e encarnou com maestria, na forma e no conteúdo, o passarinho. A professora me contou depois que a atuação dele surpreendeu a todos, uma vez que ele costumava ser muito tímido e que quase não se expunha. Pelo visto, o Topetinho deu o clique em Fábio também. Transformador esse topetinho!

Depois de Topetinho Magnífico, eu lançaria mais dois outros livros infantis tendo aves como heróis: O Soldadinho da Caatinga (Florada Editorial, 2018) e O Tiê da Mata Atlântica (Florada, 2019). Bom, mas isso fica para uma outra coluna…

Fábio, que estuda na Unibes, em SP, encarnou o Topetinho em peça na escola.

*Este texto, de autoria de Cristina Rappa, foi publicado originalmente no portal Fauna News.

Viajar para observar aves

Observação de aves: emoção é o que não falta no contato com a natureza

Sabe aquela figura do gringo de mais idade, óculos, binóculos, chapéu “australiano”, meio ranzinza e intolerante a qualquer ruído? Era a imagem que eu tinha, quando mais nova, de quem se dedicava a observar aves. Puro preconceito.

Aves - Cristalino - Saira da cabeça azul 2

E não é que há quase dois anos eu fui convidada para um eventos desses organizado em fazenda de Mococa (SP), resolvi ir com máquina fotográfica emprestada e sem saber usá-la direito. E gostei. Depois disso, ganhei uma máquina do marido e, sempre que tinha chance, ia atrás de pássaros para conhecer, escutar e registrar.

A fisgada final ocorreu em agosto de 2014 em uma viagem ao norte do Mato Grosso, em um programa de ecoturismo na RPPN Cristalino. RPPN é a sigla de Reserva Particular do Patrimônio Natural e Cristalino é o nome do rio, um afluente do Teles Pires, por onde se chega lá, de barco, a partir de Alta Floresta. A cidade ainda tem as florestas do nome, mas também muita área de pastagens, boa parte delas degradadas. Como se trata de uma região de grande biodiversidade, o ecoturismo aparece como uma boa alternativa de negócio. A natureza e nós, habitantes das cidades, somos também recompensados.

Aves - Cristalino - Araras vermelhas no ninho 2

Já o Cristalino, com suas cerca de 600 espécies de aves, um terço do Brasil, é um verdadeiro paraíso para o birdwatcher, como é chamado o observador. Sem luz elétrica, o dia começa no escuro, à base de velas, no café-da-manhã às 5 e meia. É que o melhor horário para se ver as aves é justamente de manhã cedinho, especialmente em locais quentes como a Amazônia.

Trajetos de barco, trilhas na mata, banhos de rio e subidas nas torres de observação de 30 e 50 m eram nosso programa diário nesse local em que também não pega celular. Imersão total na natureza.

Dia de fortes emoções

Foi do alto da torre de 50 m que vivi uma das grandes emoções da minha vida. Nem bem amanhecia e já estávamos (minha amiga Luiza, a quem arrastei para lá e também se viciou nessa atividade, o pesquisador científico e birdwatcher mais experiente Paulo, e o guia Jorge) lá em cima quando começamos a escutar uma movimentação nas árvores e um forte ruído. “São os macacos-aranha-de-cara-branca dando alerta de perigo”, logo diagnosticou o experiente Jorge.

Cristalino - macaco aranha da cara brancaUm macaco aranha da cara branca, espécie endêmica do Cristalino, no norte do Mato Grosso

Macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus) é uma espécie de primata endêmica do Cristalino – ou seja, só existe lá, e se tornou símbolo do Parque Estadual Cristalino. Avistá-los pulando de galho em galho e se dependurando pela calda preênsil já teria valido a viagem. Mas eis que, no telescópio, conseguimos enxergar a razão de tanta agitação: uma harpia, o famoso e temido gavião-real, grande predador de macacos, entre outros animais de pequeno porte. Eu quase despenquei da torre de tanta emoção ao ver o majestoso rapinante.

Não bastasse isso, naquele mesmo dia vimos revoadas e ninhos de araras, ariranhas, surucuás-de-barriga-amarela, de rabo preto e variados (como o “metido” personagem do meu livro infantil Topetinho Magnífico), saíras, como a azul e a sete-cores-da-Amazônia, garças-reais e muito mais, além de escutar o maravilhoso canto do uirapuru. Motivos de sobra para fazer uma já amante da natureza se apaixonar pela observação de aves, finalidade de diversas e incríveis viagens dali em diante.

Passarinhos de cidade grande

A algazarra começa logo cedo, sendo que os primeiros a acordar são os sabiás-laranjeira. Há ainda as rolinhas e os bem-te-vis, mas ninguém ganha das maritacas, ou periquitos, em matéria de ruído. Muito alegres, elas voam e pousam em bandos, sempre piando estridentemente, no parapeito do telhado da nossa casa e das dos vizinhos, nos acordando pela manhã e provocando meus cinco gatos.

Os sabiás, mais gulosos, muitas vezes se arriscam a roubar uns grãos da ração dos gatos. Alguns até já se tornaram comida de gato. Nesse quesito, caçada a passarinhos, Pérola, a mais meiga e mais gordinha da turma peluda de casa, é campeã. Muito a contra-vontade teve que aceitar a coleira com guizo, para alertar as aves sobre sua proximidade, dando-lhes tempo para fugir. Um problema resolvido: a chegada dos guizos decretou o fim da temporada de caça aos passarinhos em casa.

Além disso, a alimentação dos gatos passou a ser fornecida em dois turnos diários: de manhã cedo e no final da tarde. Assim, sem ração dando sopa o dia todo nos comedouros dos felinos, os passarinhos tendem a levar uma vida mais “natural” e vão se alimentar de frutas, sementes e flores das árvores e arbustos que têm, felizmente, aumentado no meu bairro, seja nos jardins das casas, nas calçadas ou nas praças. A julgar pela circunferência do corpo dos sabiás, a ração de gatos não parece estar fazendo muita falta.

Outra medida que tivemos que tomar para proteger os pássaros foi colocar adesivos nos vidros do andar de cima da casa que eles não identificavam e batiam, ao tentar atravessar, pensando se tratar de um vão livre.

Encontrar um passarinho morto pela batida no vidro era motivo de tristeza geral aqui. Foi quando uma amiga com o mesmo problema trouxe da Europa uns simpáticos adesivos “alerta-pássaros” e parti para essa importação também. Outro problema resolvido e mais nenhum passarinho apareceu morto por aqui. Pelo menos de morte não-natural.

Mais comida e poluição

Maritacas e rolinhas se alimentam na janela do vizinho: “fartura” na cidade grande.

Cerca de 400 espécies habitam a Grande São Paulo, segundo o Guia de Campo Aves da Grande São Paulo, de Pedro Develey e Edson Endrigo e publicado pela Aves & Fotos Editora. Forte urbanização, poluição do ar, dos rios e sonora não parecem incomodá-los. Com a oferta de comida fácil (como a ração dos meus gatos…) é maior nas cidades, as aves não abandonam a metrópole. Para nossa sorte.
Nas praças e em alguns restaurantes com mesas ao ar livre, é comum observar pardais, tico-ticos e pombas à espreita, esperando cair ou ganhar alguns farelos, casquinhas e miolos de pão.

Na ciclovia do rio Pinheiros, os quero-queros já vêm fazer companhia às garças-brancas e às capivaras. Fazem seus ninhos, perseguem com coragem e energia alguns ciclistas, para defender suas crias (nem sempre dá resultado e alguns são, infelizmente, atropelados), e parecem não se incomodar com o odor horrível do rio, especialmente em dias de muito calor e pouca chuva.

Se a população e o poder público valorizarem e preservarem o verde na cidade, vamos ter uma São Paulo não apenas mais alegre, com a presença dos passarinhos, mas também mais fresca e agradável.

Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.

O corujão

É engraçado como certos animais carregam rótulos no imaginário popular. Um deles é a coruja, animal normalmente associado a mistério e magia e personagem certo em filmes e livros com bruxas, como a Hedwig, companheira de Harry Potter.

Eu, ao contrário, sempre tive simpatia por corujas. Não que tivesse muita experiência com elas e sempre tive consciência de que não devemos interferir com animais silvestres. Estava apenas acostumada com a presença das “buraqueiras”, me observando ao passar na estrada, dos morões das cercas.

Eis que, no feriado de 7 de setembro, deparo, caminhando no início da noite, com uma coruja enorme e linda, da espécie Murucututu da Barriga Amarela (Pulsatrix perspicillata pulsatrix), também conhecida como Corujão, por medir mais de 40 cm. Estava presa pela asa na cerca de arame farpado de uma propriedade rural no sul de Minas. Viria a descobrir mais tarde, lendo um estudo de biólogos da USP, que essa é uma das principais causas de morte de corujas no Brasil, após atropelamentos e eletrocussões.
Meu irmão cortou o arame e libertamos a pobre da posição desconfortável de ficar dependurada pela asa na cerca. Ela parecia nos agradecer com o olhar e logo grudou no meu braço e colo, o que – confesso – foi um pouco dolorido, pois suas garras eram afiadas como as de um gavião. Nada mais natural para quem tem que agarrar seu alimento.

No dia seguinte de manhã, a levamos ao veterinário para retirar o resto do arame farpado ainda preso na asa e ouvimos o lacônico veredicto: “É uma pena, mas os músculos da asa parece que foram afetados e ela não deve voar mais”.

De volta à casa, deixei-a empoleirada no espaldar da cadeira da lavanderia, aberta para o jardim. Ela me olhava com o olhar interessado, bebia água, mas não comia. Como alimentar um animal silvestre acostumado a caçar o próprio alimento? Uma pesquisa pela internet e redes sociais e várias sugestões aparecem: carne, insetos, roedores, morcegos…

A natureza se encarregou e, ao cair da noite, ela já dava as primeiras tímidas voadas e até caçou um passarinho desavisado (o que me entristeceu, mas faz parte da natureza, pensei). Depois de cuidada e recuperada, em uma semana conseguiu alçar vôos mais longos e voltar para o mato.

Fiquei feliz – afinal, lugar de animal silvestre é na natureza, solto – e também um pouco saudosa, pois me apeguei a esse ser fascinante, que me observava atentamente, tentava se comunicar comigo e virava a cabeça ao ouvir a minha voz. E – acreditem – adorava um cafuné. Não é à toa que encanta as bruxas.
E, naquelas coisas da vida, no mesmo dia em que a coruja voltou para a natureza, presencio, revoltada, uma seriema ser atropela em uma estrada no interior de São Paulo, por um motorista veloz e distraído. Pensei: “Bom, não é todo dia que conseguimos salvar um animal silvestre”. “Minha” coruja teve mais sorte do que essa pobre seriema. Uma vida recuperada e outra que se vai. Em ambos os casos, pela ação do homem.

A coruja me observando ao telefoneA coruja me observando ao telefone.

Eu não vou conseguir salvar todos os animais silvestres de acidentes como esses, mas se puder ajudar a combater, com informação e educação, que lugar de animal silvestre é na natureza e que o tráfico e aprisionamento são crimes, já estou fazendo a minha parte.

Sobre as corujas

Corujas, especialmente as noturnas, costumam estar associadas a estórias de magia e mau augúrio, superstição boba. Os gregos, pelo contrário, não só as valorizavam como aves benfeitoras, como as consideravam símbolo de sabedoria.

O fato é que essa ave totalmente inofensiva é muito útil para o equilíbrio biológico, especialmente de zonas rurais. Pois se alimenta de ratos e outros roedores, como os morcegos hematófagos. Sem as corujas, a população de roedores seria incontrolável, desolando lavouras e celeiros de grãos, e transmitindo doenças.