O resgate da pequena jandaia

Neste carnaval, reunimos um grupo de amigos e lá fomos para a fazenda da minha família no sul de Minas. Como o grupo era de ciclistas, considerei que haveria pouco espaço para os passarinhos, outra das minhas paixões, nesse feriado. Ledo engano.

Eis que, no final da tarde do sábado, CH, um dos amigos, me chama, dizendo que tinha visto um passarinho, “daqueles de cabeça vermelha”, caído no chão do pomar e que eu deveria ir ver, porque parecia estar precisando de ajuda. Era um filhote de jandaia-de-testa-vermelha (Aratinga auricapillus), lindo psitacídeo que domina a copa das árvores e o céu da fazenda, especialmente nessa época de colheita do sorgo.

Todo final de tarde era o mesmo espetáculo: bandos enormes dessas aves sobrevoavam o que restava da lavoura de sorgo, grão utilizado na silagem do gado, por ser boa fonte de proteína. O fato atraía ainda os carcarás, rapinantes cuja presença cresce nessa época, certamente atraídos pelas aves, como codornas e canarinhos (foto abaixo), que saem dos campos que estão sendo colhidos.Aves - Arceburog - canario da terra no sorgo (fev19)

Tirei a avezinha, que já deveria voar mas parecia meio apática e tonta (teria sido atacada por um carcará?) do chão, onde seria presa fácil de animais como os cachorros da casa, e a coloquei em galho da árvore mais próxima, na esperança da mãe encontrá-lo. Este é o procedimento básico para quem acha um filhote caído do ninho, ensinam os especialistas.

Dali a pouco, voltamos lá e o passarinho está novamente no chão. Após a terceira tentativa e como anoitecia, resolvemos abrigá-lo na lavanderia da casa, que já virou, segundo minha mãe, uma espécie de enfermaria, onde já cuidamos de uma coruja liberada da cerca de arame farpado e de um carcará faminto.

Experimentei oferecer frutas, como mamão e banana, e o danadinho, bastante faminto, comeu tudo da minha mão e nas das demais “cuidadoras”, Célia e Eliane, com rapidez e voracidade.

Passou a primeira noite empoleirado em uma cadeira, para, na manhã seguinte, ser colocado em uma antiga gaiola de coelhos e deixado ao ar livre, no gramado próximo à edícula em cujo beiral havia recentemente um ninho dessas aves. “Deve ser um dos filhotes”, sugeriu a Rosa, que trabalha na fazenda há anos e participou dos cuidados à coruja e ao carcará.Aves - Marimbondo - jandaia de testa vermelha mae (mar19)

Ela deveria estar certa, pois não demorou muito para o filhote ser localizado pela família, que veio em peso tentar resgatá-lo. Que radar extraordinário têm as mães! A do nosso amiguinho logo estabeleceria seu quartel-general em árvore próxima, de onde vigiava o filhote.

As tentativas de voo da avezinha, porém, não tinham sucesso e ela acabava caindo no chão. Precisava se fortalecer um pouco mais, diagnosticamos.

E, assim, nos dias seguintes, a nossa rotina foi toda manhã colocar a gaiola com o bichinho fora, quando a mãe vinha alimentá-lo e fazer carinho, e recolhê-lo no final do dia.A mãe vinha alimentar o filhote durante o dia

Quanto tempo levaria para ele ficar forte e voar? Estaria machucado? Na tarde da quarta-feira-de-cinzas, despedi-me dele e voltei a São Paulo com essas preocupações. 

Não é que na sexta-feira cedo, meu irmão decide que já era hora de deixar a porta da gaiola aberta e, sob o olhar atento do Seu Nilo – preocupado se os cachorros respeitariam a avezinha caso ela saísse e caísse no chão – o bravo papagainho bate as asas com mais força e consegue se juntar à família em árvore próxima? E lá vai ele, todo animado, explorar os céus das Minas Gerais, com tudo o que as aves têm direito.