Por uma cidade mais alegre e colorida

Jade Gadotti

Afinar os ouvidos é a fórmula para descobrir os sons dos pássaros que se escondem por trás dos ruídos urbanos

Viajo bastante, mas quando estou em São Paulo costumo ser acordada, por volta das seis e meia, por um bando de papagaios-verdadeiros, que vêm fazendo uma alegre algazarra de regiões mais a oeste da cidade, param um pouco nas árvores da minha rua, no Jardim Paulistano, e depois seguem rumo ao Ibirapuera e à zona sul. Hora de levantar, dar comida aos meus gatos e colocar frutas para os sabiás-laranjeira, sanhaçus-cinzentos, bem-te-vis e as pombinhas avoante que aparecem diariamente no meu jardim. E longe do acesso do felinos, que ficam em zona da casa protegida por tela, para a sua segurança e das aves.

Após esse ritual, saímos, meu marido e eu, para a prática do nosso esporte diário, que pode ser uma caminhada ou corrida pelas ruas arborizadas do bairro.

Já soube de estudos mostrando que o contato com a natureza é positivo para a saúde e o humor das pessoas, no que sinceramente acredito. É só eu entrar em uma mata que já sinto uma enorme paz e alegria. Os mais pessimistas ou céticos questionam: como ter contato com a natureza vivendo em uma cidade como São Paulo?

Sabiá-laranjeira em praça do meu bairro, em SP

Sabiá-laranjeira em praça do meu bairro, em São Paulo

É possível sim. É certo que quem mora nos Jardins é privilegiado em muitos sentidos. No Paulistano, há mais de uma praça e elas são bem cuidadas, pelos moradores ou associações deles; as ruas são arborizadas, o que as torna mais frescas e agradáveis; os moradores se preocupam em reflorestar as calçadas com árvores frutíferas e/ou que dão flores, como amoreiras, pitangueiras, resedás, bauínias e flamboyanzinhos, e ainda em cultivar orquídeas nas árvores, o que embeleza e atrai pássaros e insetos como borboletas e joaninhas.

Isso sem falar nas pessoas especiais que presenteiam os vizinhos com frutas de seus pomares, preocupam-se com animais abandonados ou perdidos em nossas ruas, e em ajudar e saber se está tudo bem com os outros. Uma corrente de cordialidade muito bacana, mostrando que certos valores não precisam se perder na correria do dia-a-dia da cidade grande e que cabe a nós mantê-los e reforçá-los.

Cultivar plantas, em praças, ruas e jardins, para quem mora em casa, ou em vasos, no caso de quem mora em prédio, não é nada do outro mundo, e pode ser feito em qualquer bairro. Cuidar das praças, frequentar, dar sugestões, fiscalizar a limpeza e a manutenção dos parques, idem. É exercer nossa cidadania, tomar posse da nossa cidade. Não dá para ficar esperando o poder público resolver tudo e agradar a todos.

Marreca e irerês no Ibirapuera

Marreca e irerês no Ibirapuera

Eu, que adotei há seis anos o hobby de observar aves, e já viajei para isso a muitos lugares do Brasil, venci meu preconceito sobre “passarinhar” em São Paulo. Sempre que posso, me junto a grupos que vão ver passarinhos em parques como o Ibirapuera, da Cantareira, Horto Florestal, Ecológico do Tietê, Jardim Botânico e Instituto Butantã, entre outros locais. Nunca me senti insegura, só encontrei gente com a mesma vontade de aproveitar o que de bom a cidade oferece, e avistei muito passarinho. Sim, pois já foram registradas na cidade de São Paulo mais de 480 espécies de aves, número superior a de países europeus como Itália e Portugal.

É primavera. Que tal ajudar a colorir, do jeito que achar melhor, a cidade? É só começar para se encantar e não parar mais. Alegria pode ser contagiante.

Cristina Rappa, paulistana, é jornalista, escritora de livros infantojuvenis e observadora de aves.

Foto de destaque: Jade Gadotti; fotos das aves: Cristina Rappa.

Esta crônica foi publicada originalmente no jornal aQuadra, edição out/nov de 2019.

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