Rica passarinhada no Pantanal paulista

Cristina Rappa

Com três viagens ao pantanal sul-matogrossense no currículo, finalmente consegui organizar um passeio ao Tanquã, no município de Piracicaba, a umas duas horas da minha casa. E gostei muito!

Com pouco mais de 14 mil hectares de área e abrangendo diversos municípios aqui listados em ordem alfabética – Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro – o Tanquã se tornou uma APA, ou seja, uma Área de Proteção Ambiental, no final de 2018.

Cristina Rappa

Por abrigar cerca de 180 espécies de aves nativas e migratórias, além de mamíferos, répteis e anfíbios, e ser importante para a qualidade da água do rio Piracicaba, tornar o Tanquã uma área protegida era uma antiga demanda de ambientalistas.

Pois bem. Organizada a agenda e decidida a ir, combinei a passarinhada com Gustavo Pinto, que me pegou às cinco e meia da manhã em hotel em Santa Bárbara do Oeste. Em menos de uma hora chegávamos na vila de pescadores e nos encontrávamos com um observador bem mais experiente que eu, Norton Santos, que se juntaria a nós, e com o barqueiro Ivanildo, hábil na condução do barco e conhecedor de aves.

Gustavo e Ivanildo

Gustavo e Ivanildo

Gustavo me conta que tem uma ligação forte com o Tanquã, por ser o cenário de sua primeira passarinhada, em 2009. A aptidão do local para o ecoturismo e o birdwatching não mudou a vida apenas desse ex-metalúrgico que se tornou um respeitado guia de observação de aves do interior de São Paulo. Os pescadores aproveitam para engrossar consideravelmente a renda levando os passarinheiros em seus barcos, o que faz bastante diferença para garantir o sustento das famílias, especialmente nos quatro meses do defeso, de novembro a final de fevereiro, quando a pesca é proibida.

“Faz muita diferença; ainda mais neste ano quando ainda não recebemos o seguro-defeso”, diz Ivanildo. O seguro-defeso é uma ajuda de um salário-mínimo (cerca de R$ 1 mil) por mês concedida pelo governo para compensar o período em que o pescador tem que interromper a pesca, para preservar os peixes na época de reprodução.

Saracuras, andorinhas e muito mais

Aves - Tanquã - saracura carijo (1)Antes de subirmos no barco de Ivanildo,  registramos uma família de saracura-carijó (Pardirallus maculatus): a mãe e três filhotes, “ciscando” na beira do rio, por entre os barcos estacionados. E na vila, nossa atenção e olhar se voltam para o alto, já que os fios estavam tomados por andorinhas-de-bando, que faziam realmente jus ao nome popular, uma ou outra andorinha-do-campo (Progne tapera), do-barranco (Riparia riparia, espécie nova para mim) e grande-de-casa (Progne chalybea) no meio delas. Mais tarde, em outra parte do rio, veríamos mais andorinhas: do rio (Tachycineta albiventer) e serradora (Stelgidopteryx ruficollis).Cristina Rappa

Registradas as andorinhas e as saracuras, entramos no barco e adentramos o rio Piracicaba. Logo de cara, um bando enorme (seriam mais de duzentos?) de frangos d’água comuns e pernilongos-de-costas-brancas. Mais tarde, veríamos frangos d’água-azuis, linda espécie que eu só havia registrado até então no parque nacional norte-americano de Everglades, na Flórida.

A aventura e o deslumbramento mal começavam. Dezenas de garças mouras e brancas, grandes e pequenas, tapicurus, caraúnas, maçaricos, trinta-réis e marrecos. Lindas famílias de marrecas-caboclas e caneleiras, além de casais de toicinho e marrecões. Inúmeros socós, savacus e biguás. E para reforçar a sensação de pantanal, diversos tuiuiús (foto abaixo).

Cristina Rappa

Poluição é ameaça

“Antes isso aqui tinha muito mais bichos”, recorda-se o pescador Nilson, o Alemão, quando chegamos de volta à vila. Mais falante do que Ivanildo, Alemão conta que é paulista de Limeira e que mora no Tanquã há 25 anos. Ele atribui à poluição, ao lixo e aos resíduos de agrotóxicos aplicados nas lavouras de cana e pomares de citros da região, além da criação de gado nas margens do rio, a diminuição das aves no local.

Observamos com tristeza e indignação realmente garrafas pet além de outros dejetos nas margens do rio. Na hora do almoço, comendo um peixe grelhado na rua do Porto, em Piracicaba, eu veria mais sujeira na beirada do rio. Uma pena, mas acredito que, aos poucos, a conscientização aumenta e as pessoas passam a valorizar e respeitar mais o ambiente.

Cristina Rappa

Tapicuru e marrecão, espécie escassa, convivem com lixo nas margens do rio