Viajar para observar aves

Observação de aves: emoção é o que não falta no contato com a natureza

Sabe aquela figura do gringo de mais idade, óculos, binóculos, chapéu “australiano”, meio ranzinza e intolerante a qualquer ruído? Era a imagem que eu tinha, quando mais nova, de quem se dedicava a observar aves. Puro preconceito.

Aves - Cristalino - Saira da cabeça azul 2

E não é que há quase dois anos eu fui convidada para um eventos desses organizado em fazenda de Mococa (SP), resolvi ir com máquina fotográfica emprestada e sem saber usá-la direito. E gostei. Depois disso, ganhei uma máquina do marido e, sempre que tinha chance, ia atrás de pássaros para conhecer, escutar e registrar.

A fisgada final ocorreu em agosto de 2014 em uma viagem ao norte do Mato Grosso, em um programa de ecoturismo na RPPN Cristalino. RPPN é a sigla de Reserva Particular do Patrimônio Natural e Cristalino é o nome do rio, um afluente do Teles Pires, por onde se chega lá, de barco, a partir de Alta Floresta. A cidade ainda tem as florestas do nome, mas também muita área de pastagens, boa parte delas degradadas. Como se trata de uma região de grande biodiversidade, o ecoturismo aparece como uma boa alternativa de negócio. A natureza e nós, habitantes das cidades, somos também recompensados.

Aves - Cristalino - Araras vermelhas no ninho 2

Já o Cristalino, com suas cerca de 600 espécies de aves, um terço do Brasil, é um verdadeiro paraíso para o birdwatcher, como é chamado o observador. Sem luz elétrica, o dia começa no escuro, à base de velas, no café-da-manhã às 5 e meia. É que o melhor horário para se ver as aves é justamente de manhã cedinho, especialmente em locais quentes como a Amazônia.

Trajetos de barco, trilhas na mata, banhos de rio e subidas nas torres de observação de 30 e 50 m eram nosso programa diário nesse local em que também não pega celular. Imersão total na natureza.

Dia de fortes emoções

Foi do alto da torre de 50 m que vivi uma das grandes emoções da minha vida. Nem bem amanhecia e já estávamos (minha amiga Luiza, a quem arrastei para lá e também se viciou nessa atividade, o pesquisador científico e birdwatcher mais experiente Paulo, e o guia Jorge) lá em cima quando começamos a escutar uma movimentação nas árvores e um forte ruído. “São os macacos-aranha-de-cara-branca dando alerta de perigo”, logo diagnosticou o experiente Jorge.

Cristalino - macaco aranha da cara brancaUm macaco aranha da cara branca, espécie endêmica do Cristalino, no norte do Mato Grosso

Macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus) é uma espécie de primata endêmica do Cristalino – ou seja, só existe lá, e se tornou símbolo do Parque Estadual Cristalino. Avistá-los pulando de galho em galho e se dependurando pela calda preênsil já teria valido a viagem. Mas eis que, no telescópio, conseguimos enxergar a razão de tanta agitação: uma harpia, o famoso e temido gavião-real, grande predador de macacos, entre outros animais de pequeno porte. Eu quase despenquei da torre de tanta emoção ao ver o majestoso rapinante.

Não bastasse isso, naquele mesmo dia vimos revoadas e ninhos de araras, ariranhas, surucuás-de-barriga-amarela, de rabo preto e variados (como o “metido” personagem do meu livro infantil Topetinho Magnífico), saíras, como a azul e a sete-cores-da-Amazônia, garças-reais e muito mais, além de escutar o maravilhoso canto do uirapuru. Motivos de sobra para fazer uma já amante da natureza se apaixonar pela observação de aves, finalidade de diversas e incríveis viagens dali em diante.

Passarinhos de cidade grande

A algazarra começa logo cedo, sendo que os primeiros a acordar são os sabiás-laranjeira. Há ainda as rolinhas e os bem-te-vis, mas ninguém ganha das maritacas, ou periquitos, em matéria de ruído. Muito alegres, elas voam e pousam em bandos, sempre piando estridentemente, no parapeito do telhado da nossa casa e das dos vizinhos, nos acordando pela manhã e provocando meus cinco gatos.

Os sabiás, mais gulosos, muitas vezes se arriscam a roubar uns grãos da ração dos gatos. Alguns até já se tornaram comida de gato. Nesse quesito, caçada a passarinhos, Pérola, a mais meiga e mais gordinha da turma peluda de casa, é campeã. Muito a contra-vontade teve que aceitar a coleira com guizo, para alertar as aves sobre sua proximidade, dando-lhes tempo para fugir. Um problema resolvido: a chegada dos guizos decretou o fim da temporada de caça aos passarinhos em casa.

Além disso, a alimentação dos gatos passou a ser fornecida em dois turnos diários: de manhã cedo e no final da tarde. Assim, sem ração dando sopa o dia todo nos comedouros dos felinos, os passarinhos tendem a levar uma vida mais “natural” e vão se alimentar de frutas, sementes e flores das árvores e arbustos que têm, felizmente, aumentado no meu bairro, seja nos jardins das casas, nas calçadas ou nas praças. A julgar pela circunferência do corpo dos sabiás, a ração de gatos não parece estar fazendo muita falta.

Outra medida que tivemos que tomar para proteger os pássaros foi colocar adesivos nos vidros do andar de cima da casa que eles não identificavam e batiam, ao tentar atravessar, pensando se tratar de um vão livre.

Encontrar um passarinho morto pela batida no vidro era motivo de tristeza geral aqui. Foi quando uma amiga com o mesmo problema trouxe da Europa uns simpáticos adesivos “alerta-pássaros” e parti para essa importação também. Outro problema resolvido e mais nenhum passarinho apareceu morto por aqui. Pelo menos de morte não-natural.

Mais comida e poluição

Maritacas e rolinhas se alimentam na janela do vizinho: “fartura” na cidade grande.

Cerca de 400 espécies habitam a Grande São Paulo, segundo o Guia de Campo Aves da Grande São Paulo, de Pedro Develey e Edson Endrigo e publicado pela Aves & Fotos Editora. Forte urbanização, poluição do ar, dos rios e sonora não parecem incomodá-los. Com a oferta de comida fácil (como a ração dos meus gatos…) é maior nas cidades, as aves não abandonam a metrópole. Para nossa sorte.
Nas praças e em alguns restaurantes com mesas ao ar livre, é comum observar pardais, tico-ticos e pombas à espreita, esperando cair ou ganhar alguns farelos, casquinhas e miolos de pão.

Na ciclovia do rio Pinheiros, os quero-queros já vêm fazer companhia às garças-brancas e às capivaras. Fazem seus ninhos, perseguem com coragem e energia alguns ciclistas, para defender suas crias (nem sempre dá resultado e alguns são, infelizmente, atropelados), e parecem não se incomodar com o odor horrível do rio, especialmente em dias de muito calor e pouca chuva.

Se a população e o poder público valorizarem e preservarem o verde na cidade, vamos ter uma São Paulo não apenas mais alegre, com a presença dos passarinhos, mas também mais fresca e agradável.

Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.