Os parques de São Paulo exibem rica natureza

Confesso que eu tinha um certo preconceito em passear e procurar aves nos parques de São Paulo. Na minha cabeça, a megalópole poluída não poderia ter muitas espécies de fauna e flora atraentes, comparada com outras regiões menos habitadas do país.

Mas, levada pelo fato de que a Grande São Paulo abriga cerca de 450 espécies de aves, número igual ao de Portugal e superior à Itália (390), e que no bairro onde moro convivo com pica-paus-de-cabeça-amarela, carcarás, papagaios verdadeiros, maracanãs-pequenas, periquitos-ricos, sanhaçus, corujas orelhudas, entre outras lindezas, além do sabiá-laranjeira, marca registrada da cidade, venci meu preconceito e em dois finais de semanas seguidos fui ver aves nos parques do Ibirapuera e Ecológico do Tietê.

Nada mais natural do que tentar encontrar bons motivos para valorizar o espaço público e a vida na nossa cidade.

No feriado de Corpus Christi, tive que, em função da paralização dos caminhoneiros, postergar uma viagem à serra catarinense para ver o papagaio-charão, ave migratória que visita a região durante a temporada do pinhão. Fiquei em São Paulo e em uma manhã lá fui eu, munida de binóculos e câmera, ao Parque do Ibirapuera.

Era um sábado e havia muita gente no parque, o que é muito positivo. Famílias, grupos de amigos e casais de namorados passeando e tirando fotos, especialmente selfies. Muita gente fazendo esporte: pedalando, correndo, caminhando ou patinando, o que é ótimo.

Aves - SP Ibirapuera - mergulhão caçador (jun18) (1)De cara, no lago, já fui atraída pelo bando de biguás, muito simpáticos. Depois, alguns mergulhões-caçadores (foto à esq.) muito meigos. Mais adiante, grupos enormes de gansos, garças e cisnes. E, no meio deles, contrastando com o seu porte, um casal de marrecas-toicinho (Anas bahamensis).

Mas um dos alvos do meu passeio, a marreca-caneleira (Dendrocygna bicolor), que eu não havia ainda avistado, eu não tinha visto após mais de hora no parque. Ciente de que ela, tímida e mais arredia, costuma ficar no meio de seus parentes irerês (Dendrocygna viduata), fui procurá-los.Aves - SP Ibirapuera - marreca caneleira e irerês bravos (jun18) (9)

Ao avistá-los, nada da marreca. Eis que vejo algo se mexendo no meio do capim, na beira do lago. Era um espécime da marreca, que dormia no meio dos irerês. Quase uma hora mais tarde, a ave desperta e começa a se levantar e se encaminhar para uma nadada no lagos. Eis que alguns de seus primos irerês partem para cima dela, querendo bica-la e como que protestando pela sua presença intrusa.  Espertamente, ela os ignora e vai para o lago. E eu ganhei a manhã.

Parque do Tietê

Animada por essa boa experiência no Ibirapuera, logo confirmei presença na “passarinhada” organizada pela SAVE Brasil em comemoração à Semana do Meio Ambiente. Seria uma boa oportunidade para conhecer o Parque Ecológico do Tietê, na zona leste da cidade e onde temia ir sozinha em função de relatos de assaltos e roubos de máquinas fotográficas e celulares.

O passeio foi ótimo e acabou com todos os meus receios, pela organização, limpeza, segurança e frequentadores do parque.

Inaugurado no início da década de 1980, para aproveitar as várzeas do Tietê, o parque – cujos projetos arquitetônico e paisagístico são de autoria de Ruy Ohtake – tem 14 milhões de m2 e abriga um Centro de Recepção de Animais Silvestres (CRAS), que recebe cerca de 12 mil animais por ano, para lá encaminhados após serem apreendidos do tráfico, posse ilegal, atropelamento, eletrocussão etc.

Após passearmos pelo parque, em meio a pessoas em bicicletas, correndo ou caminhando, e avistarmos aves como biguatingas exibidos, socozinhos, periquitos-ricos, bem-te-vis, pica-paus, beija-flores, carcarás, curutiés e cardeais, até o cardeal-do-nordeste, esses dois últimos certamente resultado de soltura na cidade, fomos visitar a área do CRAS, de 600 mil m2.

Parque do Tietê - anta Sofia saindo do matoLogo ao ingressarmos na área, uma surpresa: nada menos do que uma anta sai do mato e atravessa a nossa frente, sem se incomodar com a nossa presença. O biólogo Bruno, que nos recepcionou, já nos apresentava: é a anta Sofia, de cerca de 30 anos, que mora há muito tempo no CRAS. O macho, seu companheiro, morreu recentemente.

Bruno informa que o CRAS recebe cerca de 12 mil animais por ano, apreendidos no Estado de São Paulo, movimento só interrompido nos últimos anos durante a greve dos caminhoneiros, que os impediu de aceitar novos animais, por falta de alimento. Tiveram que negocias a compra de alimentos em um Sacolão da região, para não comprometer a saúde e a vida dos animais, entre araras, tucanos, macacos, cotias etc.

Recentemente, em outra ocasião, a rotina do parque foi alterada. Isso aconteceu no final de 2017, quando seus cerca de 3,5 milhões de frequentadores tiveram que buscar outro local para o seu lazer, já que ele foi fechado por causa da febre amarela, assim permanecendo por três meses. A medida foi por precaução. O espaço é livre do vírus da febre amarela, apontou teste sorológico nos primatas que lá vivem, nos assegurou Bruno.Pq. Ecologico do Tiete - cotia amamentando filhote (jun18) (1)

A conversa, muito boa, logo é interrompida pelos macacos-pregos, atraídos pela curiosidade e pelas frutas que sobram do almoço da anta Sofia. Outro grupo numeroso que se movimenta para tentar ganhar comida dos visitantes são os quatis. O que não deve ser feito, são alertados os visitantes. Mais adiante, uma cotia amamenta tranquilamente sua cria. E assim vai terminando nossa manhã – diferente e muito agradável.

Louros em São Paulo

Cristina Rappa

A experiência tem virado rotina neste outono: despertar por volta das seis e meia ao som de revoada de papagaios. Na primeira vez, meio sonolenta, achei que estava sonhando e que estava no Cerrado ou na Amazônia, biomas onde as revoadas de psitacídeos são a marca registrada.

Mas, não. Acordo na minha casa, em plena cidade de São Paulo. O bando continua dando rasantes sobre minha casa e as dos vizinhos. E como fazem barulho!

Visto-me rapidamente e saio na rua munida de binóculo, máquina fotográfica e celular, para gravar o som. Parte do bando está comendo uma espécie de coquinho em árvore no final da  rua. Logo partem em revoada, mas a ansiedade, aliada à dificuldade natural da idade para manejar os eletrônicos, me impede de gravar com qualidade um video da cena do bonito vôo em que os casais costumam ficar alinhados. Lindo se ver!

Logo constato que não se trata dos também barulhentos periquitos-ricos (Brotogeris tirica), que as pessoas costumam chamar de “maritacas”. Esses, assim como os bem-te-vis (Pitangus sulphuratus), até fogem, assustados, com a passagem do bando. São, na verdade, papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva), ave bastante inteligente e que não é nativa da região da megalópole, mas que tem sido avistada cada vez com mais frequência por aqui.

E – felizmente – não em gaiolas, onde escutam sempre o mesmo comando: “Dá o pé, Louro”.

O papagaio-verdadeiro, também conhecido como “papagaio-comum”, habita originalmente a região Nordeste, assim como o Brasil Central (estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) até o Rio Grande do Sul. Eles não vieram sozinhos a São Paulo e há gente que suspeita que moradores da cidade trouxeram as aves de suas regiões de origem para criá-las como animais de estimação e que essas depois tenham fugido ou sido soltas pelos “donos”, por receio de uma fiscalização ou por incapacidade de as criar.

Uma coisa é certa: criar animal silvestre – seja ele papagaio, sagui, teiú, onça ou capivara – como doméstico, além de ser crime, é uma judiação e pode levar a desequilíbrios ambientais. Sem falar que o comércio de animais silvestres normalmente está associado a outras atividades criminosas, como o tráfico de drogas e armas, além da exploração de menores, tanto na apreensão dos animais, como em feiras livres, para vendê-los.

Registros

Sandro Von Matter, do Instituto Passarinhar, estima, pelos registros fotográficos na internet, que haja, no mínimo, 1200 papagaios livres na capital paulista. Na enciclopédia eletrônica WikiAves , alimentada por ornintólogos e cidadãos observadores de aves, encontrei 361 registros da espécie em São Paulo.

“Eles começaram a aparecer há uns quatro anos, estimo. Acredito em soltura e até criminosa.  Essas aves estão vindo para cá do Cerrado. Disso eu tenho certeza”, diz Marcelo Pavlenco (foto), da SOS Fauna, ONG que se dedica a combater o comércio de aves silvestres, a reintegrar os animais em seus ambientes de origem, e que escolheu o papagaio-verdadeiro como foco de um projeto que vai lançar, chamado Escola de Papagaios.Cristina Rappa

O projeto – adianta Marcelo – dedica-se ao estudo comportamental de indivíduos apreendidos em situação de guarda doméstica e que estão com níveis de humanização elevada, sua reintegração em vida livre, com monitoramento em pós-soltura, instalação de caixas-ninho e posterior acompanhamento dos filhotes dessas aves em vida livre.

“Já tivemos experiências positivas com filhotes de aves já ‘humanizadas’ e depois reintroduzidas na natureza: nascidos livres, eles demonstraram temer o homem e se adaptar na vida silvestre”, conta o ambientalista.

Apreensão

O papagaio-verdadeiro – uma das aves mais queridas pelos traficantes de animais, talvez por ser muito inteligente e “falante” – não está ameaçado enquanto espécie, mas seu comércio e soltura em ambiente diferente do seu habitat original causam apreensão. “Toda vez que animais são tirados de sua vida livre, no Cerrado, por exemplo, e entram na cadeia do tráfico, eles deixaram de exercer sua função ecológica no ecossistema do Cerrado e isso é preocupante”, explica. “Tentamos amenizar um pouco isso”, diz, referindo-se ao Projeto De Volta pra Casa, criado pela entidade há mais de 9 anos, com a missão de devolver à natureza animais silvestres vítimas do tráfico.

Ameaçados ou não, o problema é sério e a Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente reconheceu recentemente (a publicação no Diário Oficial da União se deu no dia 06 de abril) a terceira semana do mês de abril como a “Semana de Estudos para a Proteção dos Papagaios e demais Psitacídeos Brasileiros“. A ideia da criação da Semana é “promover eventos públicos que alertem para a necessidade de preservar a espécie”, informa o Ministério em seu website. Pois, os papagaios são símbolo de aves brasileiras muito ameaçadas pelo tráfico e há espécies deles, como papagaio-charão (Amazona pretrei), papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) e papagaio-chauá (Amazona rhodocorytha), bastante vulneráveis. Vamos ajudar a protegê-los?

Aves - SP - papagaio verdadeiro ab18 (3)

As muitas aves de Arceburgo

Há sons que logo me fazem lembrar as minhas deliciosas férias na fazenda, no sul de Minas. São eles o zurro do jumentinho Dudu – quando eu era bem pequena e ficávamos na Casa de Baixo, da minha bisavó -, o canto da seriema, do anú-branco e do pombão.

Engraçado! De acordo com a minha memória auditiva, é que como se só houvesse esses pássaros, além dos de-sempre tico-ticos e pardais, que costumavam fazer ninho nos beiras da casa e estavam sempre por perto. Fraca a biodiversidade da época nas fazendas “café-com-leite”. Ou era eu que – apesar de desde pequena uma amante da natureza – não me atentava para esse tipo de observação?

Aves - Marimbondo - pica pau de banda branca (ag17) (3)

Pica-pau-de-topete-vermelho

E olha que a minha avó era daquelas pessoas que, intuitivamente, quando nem se falava em mudanças climáticas, seca e poluição, não permitia que se caçasse, pescasse e cortasse árvores em suas terras. Briguenta, expulsava meninos que entrassem portando estilingue. Brincadeira besta caçar passarinho, mas normal na época, principalmente na área rural. Hoje os moleques preferem o vídeo game. 

Pois neste início de novembro, o pequeno município de Arceburgo – que já foi São João da Fortaleza nos tempos em que eu nem era nascida e hoje conta com 10 mil habitantes – atinge bravamente a marca de 248 espécies de aves registradas na plataforma WikiAves, fazendo parte do time dos dez por cento campeões de Minas Gerais (posição inferior à de número 60, em 853 municípios do Estado), superando alguns lugares turísticos e maiores, inclusive da vizinha e belíssima Serra da Canastra. Muito bom sinal de preservação do ambiente! Os proprietários rurais da região pelo visto já sabem que é preciso manter a mata nativa, proteger as nascentes, fazer rotação de culturas, usar produtos adequados para combater pragas, entre outras práticas.

A área urbana, pelo seu lado, tem ruas arborizadas com espécies que atraem beija-flores, especialmente, e até um parque ambiental. Além disso, o fato de as pessoas saberem que é crime caçar e aprisionar um animal silvestre sem autorização, também ajuda, apesar de uma e outra gaiola com pássaros-pretos, trinca-ferros e canários que às vezes vemos, com tristeza. 

Agora contabilizo facilmente, apenas em volta da casa, muitas espécies, como canário-da-terra, que voltou após décadas de gaiolas, gaturamo-verdadeiro, choca-barrada, gralha-do-campo, ferreirinho-relógio, petrim, bem-te-vi, sabiá-do-barranco, lavadeira-mascarada, ariramba, pipira-vermelha, bacurau, sanhaços, saíra-amarela, um vasto time de andorinhas e pica-paus (de banda-branca, de topete-vermelho, rei, do-campo, verde-barrado e branco), maria-faceira e os ruidosos jandaia-de-testa-vermelha, periquito-rei, periquitão-maracanã e até maracanã-verdadeira. A lista é grande e de olho nessa turma, estão, em número também crescente, a coruja mucurututu-da-barriga-amarela, o carcará, o sovi, o gavião-carijó e o tucanuçu, entre outros predadores.

copia Aves - Marimbondo - carcarás (ab17) (1)

Casal de carcarás observa a paisagem em busca de comida a ser caçada

Nem tudo são flores, mas sempre há esperança

Dois fatos nos preocuparam e entristeceram neste ano na região: a instalação de torres de energia cortando nossas terras – fato que tentamos, sem sucesso, evitar – e um incêndio de grandes proporções na mata da fazenda vizinha, local tradicional das nossas passarinhadas.

Cristina Rappa

A águia-cinzenta no alto da torre

No caso das torres, não é que elas nos brindaram com a presença de um casal de águias-cinzentas (Urubitinga coronata), espécie bastante ameaçada no Brasil, em função de perda da habitat e caça? Grande (chega a medir 84 cm), preda pequenos mamíferos, como gambás, ratos e lebres, além de serpentes. E, como gostam de se empoleirar no alto, as torres lhes pareceram um bom local para fazer ninho. Como as cegonhas de Portugal e as curicacas de Tavares/RS, para quem leu uma das minhas crônicas recentes.

Ou seja, mesmo coisas feias podem trazer beleza. A águia-cinzenta, avistada no feriado de Finados, foi a espécie de número 247 contabilizada em Arceburgo. No dia seguinte, meu amigo Ademir, que é secretário do meio ambiente do município, avistaria com emoção outra espécie ameaçada: o curió, pássaro muito querido pelos traficantes de aves.     

Quanto ao incêndio, o ano quente e seco, aliado a alguma possível imprudência humana, fizeram a linda mata arder, expulsando o lobo-guará, a jaguatirica, o cachorro-do-mato, as cobras e muitos passarinhos, sendo que muitos estavam em seus ninhos sem ainda saber voar, já que a queimada se deu no final de setembro, no início da primavera. Imensa tristeza! Queimadas, além da judiação com os animais que vivem na mata, representam perda de biodiversidade, poluição e contribuição para o aquecimento global, já que reduzem a floresta e jogam muito carbono na atmosfera.

Foi algo que eu nunca tinha visto por lá e espero nunca voltar a ver. Estima-se que a mata levará uns dez anos para se recuperar. Vou viver para ver e já me juntei aos passarinhos para espalhar sementes e apressar esse processo.

As curicacas e a torre de Tavares

Certos animais às vezes apresentam comportamentos peculiares. Causados por vontade própria ou por consequencia da ação humana. Mesmo sem a intenção destes.

Foi o que observei e acabei constatando durante uns dias, no mês de maio, observando aves em Tavares, na Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul.

Já no dia seguinte à minha chegada, acordei antes do amanhecer com um barulho alto, que não consegui identificar de imediato. Seriam animais? E quais? Por que a movimentação?

Abri a janela do quarto e vejo dezenas de curicacas vocalizando alto e se movimentando na torre de distribuição de energia da cidade, que fica em terreno próximo ao hotel onde me hospedei, na cidadezinha de cerca de 6 mil habitantes.

A barulheira é a preparação para levantar vôo e deixar a torre, logo ao raiar do dia. Curicacas (Theristicus caudatus ) têm o hábito de “gritar” ao anoitecer e ao amanhecer e já ganharam o apelido de “despertador do pantanal”. Descendo para o café da manhã, antes da passarinhada, observo mais curicacas partindo da torre de celular no terraço superior do hotel.

Curiosa, fui conversar com o Batista, o dono do hotel. “Um tormento”, reclamou ele, explicando que, de uns anos para cá, as aves resolveram abandonar os pinheiros e passar a pernoitar na torre. Ou melhor, em torres, já que a do hotel também era alvo delas. 

As aves não me incomodaram de forma alguma, expliquei, caso ele pudesse achar que eu estivesse reclamando do barulho. Sou bastante tolerante com animais; apenas fiquei curiosa.

Mas Batista me explicou que o barulho e as fezes das aves causavam transtornos, especialmente aos moradores próximos à torre de energia, que tinham seus quintais, casas e carros constantemente sujos. E, no caso do hotel, era preciso limpar o terraço com muito mais frequência. Havia ainda o risco da presença constante das fezes e dos materiais dos ninhos corroerem a estrutura da torre.

“Já tentamos de tudo aqui na torre do hotel”, contou-me: cercas de arame, telas, fogos… Nada surtiu efeito. As aves sempre driblavam os obstáculos e voltavam todas as noites à torre.

Sugiro ao Batista um produto atóxico desenvolvido por um conhecido para desestimular pombos-domésticos a pousarem em beirais de janelas de residências, sem agredir os animais nem por em risco a saúde dos moradores. Trata-se de uma pasta “grudenta” que, espalhada nos beirais, incomoda as aves, que desistem de pousar ali.

Na última vez que falei com o Batista, ele ia conversar com o meu conhecido e encomendar o produto. “ Por que não ficam na mata e vêm para as torres?”, se perguntava.

O problema não é exclusivo de Tavares

Cristina Rappa

Durante o dia, as curicacas se alimentam nos pastos e lavouras

A resposta encontrei posteriormente lendo um estudo científico conduzido por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB)  sobre danos causados pelas fezes úmidas e vestígios de ninhos de curicacas aos condutores de torres de transmissão de uma empresa do centro-oeste brasileiro, provocando curto-circuitos, que interrompem o fornecimento de energia, fenômeno conhecido como “Bird Streamer”.

A pesquisa constatou que era grande a presença de curicacas em torres em áreas antropizadas, ou seja, já transformadas pela ação do homem, como pastagens, lavouras e urbanizações. Já as torres que se encontravam em áreas próximas a matas, não tinham curicacas. Ou seja, na falta das árvores de sua preferência, elas iam fazer seus ninhos e pernoitar nas torres.

Outra razão para o crescimento da população de curicacas deve ser a falta de predadores naturais, como jaguatiricas e outros gatos nativos. Estaria o ambiente da simpática Tavares, entrada para o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, um paraíso para os birdwatchers, desequilibrado?

Viajando de carro por Portugal, meu marido e eu estranhamos porque certas torres de transmissão de energia concentravam um grande número de cegonhas (Ciconia ciconia), outra ave que tem preferência por fazer ninhos em locais altos, e outras não traziam nenhuma cegonha. Estava explicado: nas torres mais próximas a Lisboa e arredores havia muitas cegonhas; já as torres que passavam ao longo de corredores de matas não tinham cegonhas.

Cristina Rappa

São Paulo rende um boa passarinhada, sim senhor!

Cristina Rappa

Recentemente, amigas que moram fora se surpreenderam com a minha divulgação de que a cidade de São Paulo abriga mais espécies de aves (465, de acordo com a enciclopédia WikiAves) do que países europeus como Itália (390) e Portugal (435).

Não há razão para ofensas ou mesmo ciúmes, e a explicação está na localização da capital paulista (bioma de Mata Atlântica, ou do que sobrou dela), a presença de parques e bairros arborizados em SP, uma maior conscientização quanto à necessidade de preservação das aves e do meio ambiente em geral, com moradores passando a plantar árvores frutíferas e outras que atraem passarinhos (como amoreiras, flamboyanzinhos, ipês e pitangueiras) nas calçadas e em seus próprios jardins.

O movimento – muito positivo – só tem aumentado. Grupos de observadores de aves amadores crescem, assim como os eventos, a ponto de chamarem a atenção da grande imprensa, essa normalmente tão voltada aos temas essencialmente urbanos, para o assunto. A revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo , por exemplo, publicaram no último ano três matérias sobre o assunto.

Eu mesma – que já fui “passarinhar” na reserva Cristalino, no sul da Amazônia, nos pantanais Sul e Norte, na Chapada do Araripe (CE), Serra da Canastra (MG), preparo-me para visitar a famosa Lagoa dos Peixes, no Rio Grande do Sul, sem falar na minha querida Arceburgo, no sul de MG, onde foram registradas 226 espécies de aves – já tive um pouco de preconceito com observar aves na capital paulista.

Cristina Rappa

O sabiá-laranjeira, ave-símbolo de São Paulo

Bobeira minha! Não é que em árvore na rua atrás da minha casa, a caminho da prática matutina de ioga, escuto um toc-toc e deparo com um lindo pica-pau-de-cabeça-amarela (Celeus flavescens), a ave que abre este post? Naquele dia, atrasei-me dez minutos para a prática, pois tive que voltar correndo para pegar a câmera para o importante registro.

Além do pica-pau, o meu bairro, próximo às movimentadas avenidas Rebouças e Faria Lima, abriga almas-de-gato (Piaya cayana), sabiás-laranjeiras (Turdus rufiventris), bem-te-vis (Pitangus sulphuratus), sanhaçus-cinzentos (Tangara sayaca), pombas-de-bando (Zenaida auriculata), corujas orelhudas (Asio clamator), gaivões Carcará (Caracara plancus), e os barulhentos e animados periquitos-ricos (Brotogeris tirica), entre outros.

Como avistá-los? Aguçar a sensibilidade, os ouvidos e os olhos nas caminhadas por ruas arborizadas e parques.

Para quem se interessar, há programas específicos como os organizados pelo Grupo Vem Passarinhar, do Observatório de Aves do Instituto Butantã, nas manhãs de todos os últimos sábados do mês.

Dá ainda para alargar o raio de cobertura das passarinhadas e ir até a Represa Billings, a Serra da Cantareira, o Jardim Botânico, o Parque do Carmo, ou a região de Itapevi e Cotia. Outro dia fiz esse programa, em que avistei e registrei diversas espécies da mata atlântica, como o araçari-poca (Selenidera maculirostris), a Sanã-parda (Laterallus melanophaius), a choquinha-carijó (Drymophila malura), e casais de gavião-peneira (Elanus leucurus) e de tesoura-do-brejo (Gubernetes yetapa). Uma delícia de programa para um domingo! Não quer sair da rotina e experimentar?

Cristina Rappa

Lindo casal de tesouras-do-brejo avistado em Itapevi, na Grande São Paulo