Acompanhando uma família de arirambas

Cristina Rappa

Durante a temporada de isolamento imposta pelo novo coronavírus na fazenda, no sul de Minas, pudemos observar melhor a natureza e seus movimentos, e, entre eles, acompanhar o comportamento das aves daqui. Que são muitas.

Em outras ocasiões, eu já mencionei, neste mesmo blog, a biodiversidade encontrada em Arceburgo, região de transição entre mata atlântica e cerrado onde já foram registradas, com foto e/ou som, 273 aves. Em uma caminhada pelos arredores da casa, por exemplo, não é difícil avistar cerca de 40 espécies de aves.

Cristina Rappa
Uma ariramba em busca de insetos. Reparem no bico comprido, parecendo uma agulha

Uma das espécies muito comuns por aqui e que já faz parte do nosso círculo de amigos (meu marido já as identifica pelo som), é de pássaros muitos simpáticos e vistosos, as arirambas-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda).

A ariramba, também conhecida como bico-de-agulha, mede cerca de 25 cm, tem um bico comprido (daí o segundo nome popular…), que lhe permite caçar bem insetos voadores, como vespas, borboletas e libélulas, que constituem seu cardápio básico. À primeira vista, para quem não a conhece, parece um beija-flor grande.

O casal costuma estar sempre junto, sendo o macho o de papo mais branco (esq.)

Costumam ser avistados em casais, sendo que o macho tem o papo mais branco do que a fêmea, e não são ariscos. Pelo contrário, acostumam-se bem à presença das pessoas. Para falar a verdade, até fazem questão de chamar a atenção dos humanos. Pelo menos, é isso que observo por aqui, toda vez que ando pelo jardim ou na borda da mata.

Há alguns anos um casal mora e faz ninhos no barranco em volta da casa aqui de Minas. O ninho da ariramba não é como um ninho comum de pássaros, como a gente costuma ver, feitos com gravetos colocados em galhos de árvores. A ave cava buracos em barrancos, onde bota os ovos e de onde entra e sai com frequência para alimentar os filhotes. Ótima solução para proteger a ninhada, enquanto pequena, de predadores, como gaviões e tucanos. Que, por sinal, são bem numerosos por aqui.

A ariramba mãe entra no ninho, feito no barranco, para alimentar os filhotes.

Esta é uma das minhas curiosidades: os filhotes. Nunca vi um. Imagino que eles devam colocar a carinha para fora do buraco para olhar o mundo em volta, e depois ensaiar seus primeiros voos. Quem sabe ainda dou sorte e vejo um, sem assustar os pais?

Enquanto escrevo esta crônica, chega uma poderosa frente fria por aqui, que baixas as temperaturas a sete graus Celsius em pleno mês de maio. O lado bom é que veio após dois dias de uma boa chuva, o que é sempre positivo para a natureza.

Mas quando a temperatura caiu fiquei três dias sem avistar o casal de arirambas. Será que estão recolhidos dentro do ninho, para se protegerem do frio, fiquei me perguntando. “Vai ver os filhotes já estavam na fase de abandonar o ninho”, tenta me consolar meu marido.

Hoje vi o macho na árvore ao lado do ninho. Pena que ele não conseguiu responder à minha dúvida.

Uma ariramba fêmea almoçando na beira da mata

Nota de atualização em 31 de maio: hoje avistei os pais em volta do ninho, caçando insetos e levando-os para dentro do buraco, para alimentar os filhotes, imagino. Fico feliz! Ainda com esperança de ver os pequenos.

A triste saga dos gambazinhos órfãos

Quem me acompanha por aqui, em outras mídias sociais, ou me conhece desde criança, sabe que adoro animais. 

Na fazenda, em Arceburgo, no sul de Minas, moram atualmente seis cachorros adotados. Já foram mais, mas foram morrendo (por mordida de cobra, ataque de ouriço, doença ou velhice, entre outros fatores) ao longo dos anos e foram sendo substituídos por outros, doados ou abandonados na estrada rural e que acolhemos.

O problema é que animais domésticos são um grande problema para a fauna silvestre. E cães em matilha agem como uma verdadeira gangue de malfeitores. Especialmente os machos, mesmo sendo castrados. É o instinto de caçadores deles, procuro racionalizar.

E não é que um dia, durante este isolamento imposto pelo coronavírus, acordo com uma gritaria dos cachorros? Constatamos, na manhã seguinte, com tristeza, o motivo da gritaria: haviam caçado e matado uma fêmea de um marsupial pertencente a de uma das quatro espécies de gambás que existem no Brasil e muito comum na região, o de orelhas-brancas.

Zeus e Trovão: parecem angelicais, mas são exímios caçadores de animais silvestres.

E o pior: estava com três filhotes, sendo que um morreu também. Recolho, sob os protestos de Jurandir, o caseiro, os dois pequenos sobreviventes e resolvo tentar criá-los. Afinal, já resgatei e cuidei de murucututu-da-barriga-amarela, carcará, filhotes de jandaia-de-testa-vermelha e de avoante. Todos com sucesso. O que me deixou meio arrogante, acreditando que sempre terei sucesso e que tudo vai dar certo. Esse excesso de otimismo muito me define.

Os gambazinhos eram muito pequenos, mas já tinham algum pelo. Pesquisa entre os biólogos do grupo de aves me leva a uma especialista que me orienta como preparar sua mamadeira e aquecê-los.

Pensei: vou alimentando-os até poder entregá-los aos cuidados de uma ONG especializada no acolhimento de animais silvestres atropelados, órfãos,  vítimas de ataques de cães ou de caça, entre outros fatores. Como a  Associação Mata Ciliar, de Jundiaí,  que conheço pessoalmente, apoio e com quem fiz contato. Mas, em época de isolamento, as entidades estão com poucos braços e não encontrei ninguém a quem pudesse  entregar os pequenos. Pensei: vou cuidando deles até poder soltá-los na natureza. Mas isso levaria uns dois meses, avaliou a bióloga que estava me orientando.  

Assim, ao longo dos dias seguintes, minha rotina era preparar a mamadeira com leite, ovos, mel e uma pitada de sal, amorná-la e dá-la aos gambazinhos. Depois massagear sua barriguinha, para que evacuassem. Em seguida, esquentar uma garrafa d’água e colocá-la dentro da caixa deles, que já tinha cobertor e um boneco do Sapo Caco, doação de Luara, neta da Rosana que trabalha na minha casa em São Paulo e que também gosta muito de animais.

O gambazinho e o sapo Caco doado pela Luara

Tive esperança de que uma das minhas quatro gatas os adotassem e passassem a produzir leite, mas tive receio de deixá-los muito tempo com elas sem minha supervisão. Vi, dias depois, um caso desses no Facebook: uma gata com uma ninhada adotou um gambazinho, que vivia pendurado no pescoço dela. O problema é que as minhas são castradas e nunca tiveram filhotes. Levaria algum tempo para despertar esse instinto maternal.

Só sei que quatro dias depois, o gambazinho menor amanheceu morto, gelado. Fiquei muito triste e me sentindo culpada. Acho que não aqueci o suficiente a caixa deles e com a entrada do outono, as noites ficaram mais frias.

Decidi me dedicar muito ao sobrevivente e não bobear com a temperatura. Era uma graça de serzinho, muito meigo, que encantou a todos, especialmente à Rosana e à Rosa, da fazenda, que já tinha me ajudado a cuidar da coruja e do gavião, o carcará que apelidei de Gumercindo.

Bom, não é que após preparar mais uma das cerca de seis mamadas do dia, constato que o pequeno tinha morrido também? Fiquei muito triste, decepcionada pelo meu fracasso. 

A bióloga me consola dizendo que é realmente muito difícil para nós humanos cuidar deles, que eles costumam viver protegidos e aquecidos dentro de uma bolsa na mãe.

Desmistificando

Por favor, não confunda “os meus” gambazinhos com aqueles gambás dos desenhos animados, brancos-e-pretos, que soltam um cheiro ruim ao se sentirem ameaçados.  Esta má fama, acredito, pode contribuir para uma injustiça contra os marsupiais.

Gambá-de-orelha-branca avistado anteriormente lá no jardim da fazenda

Estes gambás de que cuidei são os de orelha-branca (Didelphis albiventris), muito comuns em boa parte do Brasil e que se alimentam de frutas, filhotes de aves, cobras, lagartos, insetos, anfíbios e cereais. A espécie é essencial no equilíbrio de ecossistemas, tendo grande importância ecológica na natureza.

Recentemente, pesquisa feita no Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu, interior de SP, mostrou que, além de atuarem na distribuição de sementes, no controle da população de cobras, carrapatos, aranhas e escorpiões, e como bioindicadores da qualidade de habitats naturais, agora revelam-se agentes polinizadores e grandes dispersores de sementes. Isso mesmo: contribuem para a fertilidade das plantas e recomposição das matas.

E cerca de um mês após o episódio do resgate dos gambazinhos, em uma manhã, caminhando na volta da passarinhada pela zona rural de Arceburgo, os cachorros Tom e Trovão, que me acompanhavam (e perturbaram até que pouco o programa), saem correndo atrás de um tatu-peba (Euphractus sexcinctus), um dos muitos animais silvestres encontrados por aqui. 

O pobre ficou imóvel de pavor e eu consegui afastar, com algum esforço, os cachorros. Ufa! Mais serzinho um salvo, para compensar o triste destino da família de gambás. A natureza agradece, a nossa saúde e bem estar, idem. Afinal, desequilíbrios na biodiversidade e uma relação inadequada com animais silvestres podem levar ao surgimento de doenças como a com que estamos convivendo agora.

Tatu-pega que Tom detectou – e assustou – no pasto.

Jardinando e colhendo os frutos

Cristina Rappa

A associação de moradores do bairro onde moro em São Paulo, que faz parte dos chamados Jardins por se tratar de uma região mais arborizada que outras da megalópole, informa sobre um projeto de incentivo para que os moradores formem mudas de arbustos e flores para ampliar o reflorestamento de praças, ruas e rotatórias. Bacana a iniciativa. Até porque não dá para a gente ficar só esperando, reclamando da feiúra e poluição da cidade, e achando que o poder público vai fazer tudo. Não vai. Temos que ajudar a conservar, manter limpa, civilizada e verde a nossa cidade.

A jardinagem sempre me atraiu. Desde pequena sempre gostei de mexer com terra e plantar. Não era difícil me ver catando sementes em parques e praças, em diferentes locais, para formar mudas e plantar árvores no jardim de nossa casa em Jundiaí, interior de São Paulo, onde morei quando criança e adolescente, no jardim e nas calçadas ao redor da nossa casa e do escritório em São Paulo, ou na fazenda, em Arceburgo, sul de Minas.

Essa prática continuou ao longo dos anos e fui reflorestando com espécies nativas as margens dos açudes na fazenda, as áreas próximas à casa, o pomar e ainda formei uma alameda de oitis (Licania tomentosa), ipês roxos (Handroanthus impetiginosus) e abricots de macaco (Couroupita guianensis), entre outras espécies, no caminho de entrada da propriedade até a sede. Para embelezar, atrair passarinhos e fazer sombra quando chegamos dos nossos passeios de bicicleta pela montanhosa região. Quando essas árvores estiverem crescidas e florindo (algumas já estão), vai ficar tudo ainda mais lindo, sonho um sonho nada difícil de virar realidade.

Beija-flor-de-fronte-violeta nas flores

Beija-flor-de-fronte-violeta nas flores de plantio para atrair beija-flores, em Arceburgo

Cientes de que é preciso proteger as nascentes e ampliar as matas ciliares, para tentar evitar o aumento dos períodos de estiagem cada vez mais frequentes no Sudeste brasileiro, meu irmão e o administrador da fazenda têm reflorestado essas áreas. Com benefícios adicionais, como sombra para quem trabalha e para o gado, contribuindo para o seu bem-estar e ganho de peso.

Eu sempre me espantei, em viagens a Estados bem quentes, como Tocantins, Goiás e Mato Grosso, com a visão de pastos totalmente desmatados, e os pobres bois amontoados na sombra de uma única árvore, para se abrigar em situações de calor de mais de 40 graus. Não consigo chegar a uma conclusão se é ignorância ou falta de sensibilidade por parte do pecuarista manter uma situação dessas. Mas, como a consciência da necessidade da preservação ambiental tem aumentado, por questões pragmáticas, no setor do agronegócio, faço votos que esse cenário melhore com o tempo.

Além de reflorestar, tem-se aconselhado aos proprietários rurais a evitarem herbicidas naquela vegetação, comumente chamada de “mato”, que floresce nas beira das cercas. Pois essas florzinhas, além de embelezarem o caminho, alimentam insetos benéficos, como vespas, abelhas e joaninhas, que polinizam as lavouras. Sem esses insetos, há um desequilíbrio e as pragas prevalecem, o que faz com que se consuma mais inseticidas, que, por sua vez aumentam os custos, perdem eficácia e matam os bichos-aliados.

Por falar em perder eficácia, não é à toa que as empresas de defensivos agrícolas cada vez investem mais no que chamam de Controle Biológico de Pragas, manejo feito com insetos que predam as pragas, já que essas têm adquirido resistência aos produtos químicos tradicionais.

Salada de frutas

Cristina Rappa

Uma fêmea de saíra-amarela no mamoeiro

Bem diversificado, com pés de manga, abacate, nêspera, pitanga, acerola, uvaia, grumixama, goiaba, mamão, caju, limão, cambuci, pitaia, lichia, carambola, jabuticaba, maracujá e amora, entre outras frutas, o pomar da fazenda tem me enchido de alegria. Neste verão, diversas dessas plantas deram frutos, e não só aproveitamos para enriquecer a nossa salada de frutas, como a quantidade de aves que aparecem para se alimentar lá.

Que alegria ver uma dupla de trinca-ferros, ave que já foi tão caçada por causa do seu canto lindo, nas uvaias e goiabas. E as pipiras-vermelhas, os sanhaços-cinzentos e do-coqueiro, as saíras-amarelas e azuis, os sabiás-branco e laranjeira, as gralhas-do-campo, os fim-fim, os beija-flores de fronte-violeta, bico-reto-de-banda-branca e tesoura, as arirambas-de-cauda-ruiva … A lista de passarinhos de passarinhos que aparece no nosso pomar parece não ter fim. Espero que não termine mesmo e só cresça. Nem preciso me aventurar na mata fechada para ver tantos.

Sem falar na alegria do espetáculo de ver soldadinho, viuvinha, jandaia-de-testa-vermelha, gaturamos, canários-da-terra e corujas murucututu-da-barriga-amarela na árvore em frente ao terraço da casa.

Cristina Rappa

O soldadinho veio cantar na árvore em frente ao terraço da casa. Não é um privilégio?