Aves como ferramenta de educação

Cristina Rappa

Dupla de biólogos viaja de moto pelo Brasil registrando os pássaros e fazendo ciência-cidadã

Caio e Tati RPPN VeracelEm 2012, o biólogo Caio Bezerra de Mattos Brito empreendeu uma ousada viagem, sozinho, a bordo de uma moto de 125 cilindradas, de Fortaleza, onde morava, a Ubatuba, litoral de São Paulo, e ao Pantanal sul-mato-grossense, voltando meses depois ao Ceará. A aventura rendeu muitas aves avistadas, muito conhecimento acumulado, histórias para contar e um livro muito gostoso de ler (Um Caderno e Uma Moto – Narrativas de uma Viagem, 2014), com que sou brindada durante visita à RPPN Estação Veracel, da Veracel Celulose, em Porto Seguro/BA, onde o conheci. 

Caio e sua atual companheira de passarinhadas em duas rodas, a consultora ambiental Tati Pongiluppi (com ele, na foto acima), assinam a coordenação do projeto Expedição Tesouros do Brasil, que, em etapa patrocinada pela empresa sueco-brasileira de celulose, mapeou as aves dos mais de 6 mil hectares da RPPN, resultando em um material de educação ambiental. “Nossa ideia é que este material inspire as pessoas”, diz Tati, que acompanhou Caio durante 3 meses, viajando na garupa da moto. Para ela, “a observação de aves transforma olhares, ações e a nossa própria vida”.

“Observo aves há uns seis, sete anos e afirmo que é viciante”, reforça o rapaz durante encontro com os jornalistas convidados pela Veracel para conhecer o da RPPN. Para a dupla de biólogos, as aves são uma ferramenta de educação.

No que concorda a equipe da Estação Veracel. “Procuramos, por meio da educação ambiental, reverter a forma de geração de renda baseada na caça, para a formação de condutor de avistamento de aves, despertando nessas pessoas o interesse e o orgulho em guiar e mostrar os pássaros da região às pessoas”, conta a biologia Virgínia Londe de Camargos, coordenadora da Estação Veracel.

Expedição: ferramenta de educação ambiental

Expedição: educação ambiental

Riqueza ambiental

A equipe da Veracel tem justificável orgulho da Estação. Nela já foram registradas 270 espécies de aves, das 352 já avistadas na chamada Costa do Descobrimento, no remanescente de mata atlântica do sul da Bahia, onde está inserida.

E não são aves-quaisquer. Mas sim espécies ameaçadas, como o lindíssimo e endêmico [exclusivo daquela região] crejoá (Cotinga maculata) e a impressionante harpia (Harpia harpya), ou gavião-real, ave muito rara na mata atlântica, sendo encontrada mais facilmente na Amazônia.

De setembro de 2017 a agosto de 2018, quando visitei a Estação, cerca de 700 pessoas tinham passado por lá para observar aves. “Incentivamos a prática de observação de aves como estratégia de turismo sustentável e lazer nas áreas protegidas”, explica Virgínia.

A equipe da bióloga organiza programas de educação ambiental com crianças e com a população em geral da região, para sensibilizá-los ainda no combate à caça e ao tráfico de animais silvestres. No ano passado, coordenaram o I Workshop de Combate à Caça e ao Tráfico de Animais Silvestres. O tráfico de animais silvestres é problema sério no Brasil, ameaçando nossa biodiversidade, sem falar na crueldade com os animais. Trata-se do terceiro maior comércio ilegal, após os de drogas e armas, estando muitas vezes ligado a estes.

Preservada e com grande biodiversidade arbórea, a Estação Veracel não registra apenas aves lindas e consideradas ameaçadas. Suas armadilhas fotográficas já registraram até onça pintada andando por suas matas, conta Virgínia.

Veracel - Jailson e Cri passarinhando agosto18E lá vou eu passarinhar um pouco, acompanhada pelo simpático Jaílson de Souza, há seis anos na Estação, onde tornou-se vigia ambiental e guia de aves. Com muito interesse, e grande sensibilidade para escutar e identificar os pássaros, foi Jaílson quem descobriu o ninho da harpia.

Em pouco tempo de passarinhada, comprovo que a região é muito rica em biodiversidade e avisto maravilhas, como o arapaçu-de-garganta-amarela (Xiphorhynchus guttatus), a choca-de-sooretama (Thamnophilus ambiguus), a maitaca-de-garganta-azul (Pionus reichenowi), o cabeça-encarnada (Ceratopipra rubrocapilla) e diversas espécies de beija-flores, como o de garganta-azul (Chlorestes notata), o roxo (Hylocharis cyanus), o de fronte-violeta (Thalurania glaucopis) e o rabo-branco-rubro (Phaethornis ruber), que ilustra o destaque deste texto, além do filhote da harpia no ninho. 

Ninhos de harpia são encontrados em reserva no sul da Bahia

Jaílson de Souza

A cena é inesquecível: ao subirmos em um amanhecer na torre de 50 m na RPPN Cristalino, em Alta Floresta, norte do Mato Grosso, sul da Amazônia, fomos surpreendidos com a floresta em rebuliço. As copas das árvores se mexiam nervosamente e os macacos-aranha-de-cara-branca, espécie de primata endêmica da região, davam o alerta: era onça ou harpia na área, logo dá o veredito o experiente guia Jorge Lopes, do Cristalino Lodge, que estava conosco.

Com a luneta, Jorge pode confirmar a presença distante da harpia, o gavião-real (Harpia harpyja), temido rapinante que, por seu porte e força, ocupa a cadeia alimentar da floresta. Assim, como a onça pintada.

Os dois animais têm mais um ponto em comum: encontram-se ameaçados. A harpia faz parte da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação (UICN), onde está na categoria de Quase Ameaçada. Talvez, por ironia, justamente por sua beleza e posição no ranking dos predadores.

Ou por ignorância e superstição: aprendo no WikiAves que “reza a lenda na floresta que a ave de garras afiadas ataca pessoas e come crianças, o que estimula a matança”. Outros graves fatores de redução desta e de outras espécies de animais silvestres são a redução de habitat, o avanço da fronteira agrícola e da retirada de madeira para a venda é outro fator de risco, uma vez que a espécie precisa de grandes áreas preservadas para sobreviver e só entrelaça o ninho nas árvores mais ascendentes.

Pois não é que sou informada pela assessoria de imprensa da Veracel, empresa de celulose formada pela brasileira Fibria e pela suecofinlandesa Stora Enso, que dois ninhos de harpia foram encontrados recentemente na RPPN da empresa, que ocupa uma área que abrange os municípios de Porto Seguro e Cabrália, no sul da Bahia? O feito é para se comemorar, porque há poucos registros de sua presença no bioma mata atlântica, estando mais presente na Amazônia e no Cerrado.

“Trata-se de uma ave extremamente rara na mata atlântica”, explica a bióloga Virgínia Camargos, coordenadora da RPPN Estação Veracel, comemorando a descoberta dos ninhos. “Encontrar esses ninhos tem um enorme significado para nós, porque é o resultado de todo um trabalho de preservação feito ao longo dos 20 anos da Estação Veracel”, diz, orgulhosa.

Dias mais tarde, vejo no Instagram uma foto linda do Ciro Albano de uma harpia em outra reserva no sul da Bahia e aprendo que, na mata atlântica, é onde elas hoje encontram refúgio.

A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) da Veracel foi criada em 1996 e reconhecida por portaria governamental dois anos mais tarde, completando 20 anos de existência oficial em 2018. Ocupa 6.069 hectares de floresta em estágio quase primário, segundo Virgínia, em uma região em que a mata atlântica é muito fragmentada. “Trabalhamos para fortalecer a conexão do corredor da reserva da Veracel com o Parque Nacional  do Pau-Brasil, que tem 19 mil hectares”, conta.

Na reserva da Veracel, funcionava inicialmente um centro de reabilitação de animais, que um dia recebeu uma harpia resgatada do tráfico ilegal de aves. “Ninguém sabia como lidar com a harpia e surgiu a ideia de tentar reabilitá-la para que retornasse à vida silvestre”, conta Virgínia. 

Mas a soltura não é tão simples assim e envolve uma série de estudos e ações. Especialmente no caso da harpia, que necessita de uma área de 50 km quadrados para viver, no caso florestas tropicais. Trata-se da maior ave de rapina do Brasil: do bico à cauda mede quase um metro, sendo que quando suas asas estão abertas, a distância entre suas pontas pode chegar a dois metros.

Inventário

Cristina Rappa

Assim, foi realizado um inventário do fragmento florestal da região, para saber se ele suportaria a presença da harpia, espécie que ocupa o topo da cadeia alimentar das nossas florestas, predando mamíferos de mais de 6 kg, como macacos (como o aranha-de-cara-branca, da foto à esquerda), preguiças e cachorros do mato, além de répteis e aves de menor porte. Como o resultado foi positivo, teve início o projeto de reabilitação da ave.

Surgia aí o Projeto Harpia na Mata Atlântica, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Amazônica (INPA) em parceria com a Estação Veracel, e que até agora já reabilitou três harpias, devolvidas posteriormente à natureza. Após sua soltura, as aves passaram a ser monitoradas por telemetria de satélite.

No início deste ano, funcionários da começaram a escutar e até a avistar uma harpia, mas não tinham como afirmar que se tratava de uma das libertadas pelo Projeto. Em março, ao examinar as imagens das câmeras fotográficas (camera traps) instaladas nas copas das árvores, puderam ver a majestosa ave tomando banho em uma poça d’água.  

Tânia Sanaiotti, bióloga  do INPA e uma das responsáveis pelo Projeto Harpia na região, foi chamada, e constatou a presença de um ninho com um filhote. Pouco tempo depois, outro ninho, também com um filhote de quatro a cinco meses, foi encontrado. 

Os filhotes estão sendo monitorados por meio de câmeras fotográficas e suas penas estão sendo coletadas no solo, embaixo dos ninhos, para posterior identificação genética dos indivíduos e do parentesco, para saber se são filhos das aves reabilitadas e soltas na reserva.  

Onça

E os achados não pararam aí. Em 2017, houve registros, pelas câmeras, da presença de uma onça pintada na área da reserva, fato que não ocorria há mais de vinte anos. A onça, que como a harpia, ocupa o topo da cadeia alimentar da natureza, também se encontra bastante ameaçada, fruto do avanço da fronteira agrícola, da perda de habitat e da caça.

Agora, estão sendo instaladas mais câmeras, pelo ICMBio em parceria com a Veracel, para monitorar a presença do mamífero. “O registro das harpias e das onças é muito gratificante. Manter animais do topo de cadeia é sinal de que a floresta está viva e consegue manter esses animais”, diz Virginia.

Fico feliz em saber que as harpias estão se multiplicando, mesmo que lentamente, na mata atlântica. Será que conseguirei avistar uma nesse bioma? Ao me ouvir perguntar alto sobre isso, Virgínia prontamente me convida para visitar a RPPN. Que convite irresistível!

Foto: Jaílson de Souza.

Os parques de São Paulo exibem rica natureza

Confesso que eu tinha um certo preconceito em passear e procurar aves nos parques de São Paulo. Na minha cabeça, a megalópole poluída não poderia ter muitas espécies de fauna e flora atraentes, comparada com outras regiões menos habitadas do país.

Mas, levada pelo fato de que a Grande São Paulo abriga cerca de 450 espécies de aves, número igual ao de Portugal e superior à Itália (390), e que no bairro onde moro convivo com pica-paus-de-cabeça-amarela, carcarás, papagaios verdadeiros, maracanãs-pequenas, periquitos-ricos, sanhaçus, corujas orelhudas, entre outras lindezas, além do sabiá-laranjeira, marca registrada da cidade, venci meu preconceito e em dois finais de semanas seguidos fui ver aves nos parques do Ibirapuera e Ecológico do Tietê.

Nada mais natural do que tentar encontrar bons motivos para valorizar o espaço público e a vida na nossa cidade.

No feriado de Corpus Christi, tive que, em função da paralização dos caminhoneiros, postergar uma viagem à serra catarinense para ver o papagaio-charão, ave migratória que visita a região durante a temporada do pinhão. Fiquei em São Paulo e em uma manhã lá fui eu, munida de binóculos e câmera, ao Parque do Ibirapuera.

Era um sábado e havia muita gente no parque, o que é muito positivo. Famílias, grupos de amigos e casais de namorados passeando e tirando fotos, especialmente selfies. Muita gente fazendo esporte: pedalando, correndo, caminhando ou patinando, o que é ótimo.

Aves - SP Ibirapuera - mergulhão caçador (jun18) (1)De cara, no lago, já fui atraída pelo bando de biguás, muito simpáticos. Depois, alguns mergulhões-caçadores (foto à esq.) muito meigos. Mais adiante, grupos enormes de gansos, garças e cisnes. E, no meio deles, contrastando com o seu porte, um casal de marrecas-toicinho (Anas bahamensis).

Mas um dos alvos do meu passeio, a marreca-caneleira (Dendrocygna bicolor), que eu não havia ainda avistado, eu não tinha visto após mais de hora no parque. Ciente de que ela, tímida e mais arredia, costuma ficar no meio de seus parentes irerês (Dendrocygna viduata), fui procurá-los.Aves - SP Ibirapuera - marreca caneleira e irerês bravos (jun18) (9)

Ao avistá-los, nada da marreca. Eis que vejo algo se mexendo no meio do capim, na beira do lago. Era um espécime da marreca, que dormia no meio dos irerês. Quase uma hora mais tarde, a ave desperta e começa a se levantar e se encaminhar para uma nadada no lagos. Eis que alguns de seus primos irerês partem para cima dela, querendo bica-la e como que protestando pela sua presença intrusa.  Espertamente, ela os ignora e vai para o lago. E eu ganhei a manhã.

Parque do Tietê

Animada por essa boa experiência no Ibirapuera, logo confirmei presença na “passarinhada” organizada pela SAVE Brasil em comemoração à Semana do Meio Ambiente. Seria uma boa oportunidade para conhecer o Parque Ecológico do Tietê, na zona leste da cidade e onde temia ir sozinha em função de relatos de assaltos e roubos de máquinas fotográficas e celulares.

O passeio foi ótimo e acabou com todos os meus receios, pela organização, limpeza, segurança e frequentadores do parque.

Inaugurado no início da década de 1980, para aproveitar as várzeas do Tietê, o parque – cujos projetos arquitetônico e paisagístico são de autoria de Ruy Ohtake – tem 14 milhões de m2 e abriga um Centro de Recepção de Animais Silvestres (CRAS), que recebe cerca de 12 mil animais por ano, para lá encaminhados após serem apreendidos do tráfico, posse ilegal, atropelamento, eletrocussão etc.

Após passearmos pelo parque, em meio a pessoas em bicicletas, correndo ou caminhando, e avistarmos aves como biguatingas exibidos, socozinhos, periquitos-ricos, bem-te-vis, pica-paus, beija-flores, carcarás, curutiés e cardeais, até o cardeal-do-nordeste, esses dois últimos certamente resultado de soltura na cidade, fomos visitar a área do CRAS, de 600 mil m2.

Parque do Tietê - anta Sofia saindo do matoLogo ao ingressarmos na área, uma surpresa: nada menos do que uma anta sai do mato e atravessa a nossa frente, sem se incomodar com a nossa presença. O biólogo Bruno, que nos recepcionou, já nos apresentava: é a anta Sofia, de cerca de 30 anos, que mora há muito tempo no CRAS. O macho, seu companheiro, morreu recentemente.

Bruno informa que o CRAS recebe cerca de 12 mil animais por ano, apreendidos no Estado de São Paulo, movimento só interrompido nos últimos anos durante a greve dos caminhoneiros, que os impediu de aceitar novos animais, por falta de alimento. Tiveram que negocias a compra de alimentos em um Sacolão da região, para não comprometer a saúde e a vida dos animais, entre araras, tucanos, macacos, cotias etc.

Recentemente, em outra ocasião, a rotina do parque foi alterada. Isso aconteceu no final de 2017, quando seus cerca de 3,5 milhões de frequentadores tiveram que buscar outro local para o seu lazer, já que ele foi fechado por causa da febre amarela, assim permanecendo por três meses. A medida foi por precaução. O espaço é livre do vírus da febre amarela, apontou teste sorológico nos primatas que lá vivem, nos assegurou Bruno.Pq. Ecologico do Tiete - cotia amamentando filhote (jun18) (1)

A conversa, muito boa, logo é interrompida pelos macacos-pregos, atraídos pela curiosidade e pelas frutas que sobram do almoço da anta Sofia. Outro grupo numeroso que se movimenta para tentar ganhar comida dos visitantes são os quatis. O que não deve ser feito, são alertados os visitantes. Mais adiante, uma cotia amamenta tranquilamente sua cria. E assim vai terminando nossa manhã – diferente e muito agradável.

Louros em São Paulo

Cristina Rappa

A experiência tem virado rotina neste outono: despertar por volta das seis e meia ao som de revoada de papagaios. Na primeira vez, meio sonolenta, achei que estava sonhando e que estava no Cerrado ou na Amazônia, biomas onde as revoadas de psitacídeos são a marca registrada.

Mas, não. Acordo na minha casa, em plena cidade de São Paulo. O bando continua dando rasantes sobre minha casa e as dos vizinhos. E como fazem barulho!

Visto-me rapidamente e saio na rua munida de binóculo, máquina fotográfica e celular, para gravar o som. Parte do bando está comendo uma espécie de coquinho em árvore no final da  rua. Logo partem em revoada, mas a ansiedade, aliada à dificuldade natural da idade para manejar os eletrônicos, me impede de gravar com qualidade um video da cena do bonito vôo em que os casais costumam ficar alinhados. Lindo se ver!

Logo constato que não se trata dos também barulhentos periquitos-ricos (Brotogeris tirica), que as pessoas costumam chamar de “maritacas”. Esses, assim como os bem-te-vis (Pitangus sulphuratus), até fogem, assustados, com a passagem do bando. São, na verdade, papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva), ave bastante inteligente e que não é nativa da região da megalópole, mas que tem sido avistada cada vez com mais frequência por aqui.

E – felizmente – não em gaiolas, onde escutam sempre o mesmo comando: “Dá o pé, Louro”.

O papagaio-verdadeiro, também conhecido como “papagaio-comum”, habita originalmente a região Nordeste, assim como o Brasil Central (estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) até o Rio Grande do Sul. Eles não vieram sozinhos a São Paulo e há gente que suspeita que moradores da cidade trouxeram as aves de suas regiões de origem para criá-las como animais de estimação e que essas depois tenham fugido ou sido soltas pelos “donos”, por receio de uma fiscalização ou por incapacidade de as criar.

Uma coisa é certa: criar animal silvestre – seja ele papagaio, sagui, teiú, onça ou capivara – como doméstico, além de ser crime, é uma judiação e pode levar a desequilíbrios ambientais. Sem falar que o comércio de animais silvestres normalmente está associado a outras atividades criminosas, como o tráfico de drogas e armas, além da exploração de menores, tanto na apreensão dos animais, como em feiras livres, para vendê-los.

Registros

Sandro Von Matter, do Instituto Passarinhar, estima, pelos registros fotográficos na internet, que haja, no mínimo, 1200 papagaios livres na capital paulista. Na enciclopédia eletrônica WikiAves , alimentada por ornintólogos e cidadãos observadores de aves, encontrei 361 registros da espécie em São Paulo.

“Eles começaram a aparecer há uns quatro anos, estimo. Acredito em soltura e até criminosa.  Essas aves estão vindo para cá do Cerrado. Disso eu tenho certeza”, diz Marcelo Pavlenco (foto), da SOS Fauna, ONG que se dedica a combater o comércio de aves silvestres, a reintegrar os animais em seus ambientes de origem, e que escolheu o papagaio-verdadeiro como foco de um projeto que vai lançar, chamado Escola de Papagaios.Cristina Rappa

O projeto – adianta Marcelo – dedica-se ao estudo comportamental de indivíduos apreendidos em situação de guarda doméstica e que estão com níveis de humanização elevada, sua reintegração em vida livre, com monitoramento em pós-soltura, instalação de caixas-ninho e posterior acompanhamento dos filhotes dessas aves em vida livre.

“Já tivemos experiências positivas com filhotes de aves já ‘humanizadas’ e depois reintroduzidas na natureza: nascidos livres, eles demonstraram temer o homem e se adaptar na vida silvestre”, conta o ambientalista.

Apreensão

O papagaio-verdadeiro – uma das aves mais queridas pelos traficantes de animais, talvez por ser muito inteligente e “falante” – não está ameaçado enquanto espécie, mas seu comércio e soltura em ambiente diferente do seu habitat original causam apreensão. “Toda vez que animais são tirados de sua vida livre, no Cerrado, por exemplo, e entram na cadeia do tráfico, eles deixaram de exercer sua função ecológica no ecossistema do Cerrado e isso é preocupante”, explica. “Tentamos amenizar um pouco isso”, diz, referindo-se ao Projeto De Volta pra Casa, criado pela entidade há mais de 9 anos, com a missão de devolver à natureza animais silvestres vítimas do tráfico.

Ameaçados ou não, o problema é sério e a Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente reconheceu recentemente (a publicação no Diário Oficial da União se deu no dia 06 de abril) a terceira semana do mês de abril como a “Semana de Estudos para a Proteção dos Papagaios e demais Psitacídeos Brasileiros“. A ideia da criação da Semana é “promover eventos públicos que alertem para a necessidade de preservar a espécie”, informa o Ministério em seu website. Pois, os papagaios são símbolo de aves brasileiras muito ameaçadas pelo tráfico e há espécies deles, como papagaio-charão (Amazona pretrei), papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) e papagaio-chauá (Amazona rhodocorytha), bastante vulneráveis. Vamos ajudar a protegê-los?

Aves - SP - papagaio verdadeiro ab18 (3)

As muitas aves de Arceburgo

Há sons que logo me fazem lembrar as minhas deliciosas férias na fazenda, no sul de Minas. São eles o zurro do jumentinho Dudu – quando eu era bem pequena e ficávamos na Casa de Baixo, da minha bisavó -, o canto da seriema, do anú-branco e do pombão.

Engraçado! De acordo com a minha memória auditiva, é que como se só houvesse esses pássaros, além dos de-sempre tico-ticos e pardais, que costumavam fazer ninho nos beiras da casa e estavam sempre por perto. Fraca a biodiversidade da época nas fazendas “café-com-leite”. Ou era eu que – apesar de desde pequena uma amante da natureza – não me atentava para esse tipo de observação?

Aves - Marimbondo - pica pau de banda branca (ag17) (3)

Pica-pau-de-topete-vermelho

E olha que a minha avó era daquelas pessoas que, intuitivamente, quando nem se falava em mudanças climáticas, seca e poluição, não permitia que se caçasse, pescasse e cortasse árvores em suas terras. Briguenta, expulsava meninos que entrassem portando estilingue. Brincadeira besta caçar passarinho, mas normal na época, principalmente na área rural. Hoje os moleques preferem o vídeo game. 

Pois neste início de novembro, o pequeno município de Arceburgo – que já foi São João da Fortaleza nos tempos em que eu nem era nascida e hoje conta com 10 mil habitantes – atinge bravamente a marca de 248 espécies de aves registradas na plataforma WikiAves, fazendo parte do time dos dez por cento campeões de Minas Gerais (posição inferior à de número 60, em 853 municípios do Estado), superando alguns lugares turísticos e maiores, inclusive da vizinha e belíssima Serra da Canastra. Muito bom sinal de preservação do ambiente! Os proprietários rurais da região pelo visto já sabem que é preciso manter a mata nativa, proteger as nascentes, fazer rotação de culturas, usar produtos adequados para combater pragas, entre outras práticas.

A área urbana, pelo seu lado, tem ruas arborizadas com espécies que atraem beija-flores, especialmente, e até um parque ambiental. Além disso, o fato de as pessoas saberem que é crime caçar e aprisionar um animal silvestre sem autorização, também ajuda, apesar de uma e outra gaiola com pássaros-pretos, trinca-ferros e canários que às vezes vemos, com tristeza. 

Agora contabilizo facilmente, apenas em volta da casa, muitas espécies, como canário-da-terra, que voltou após décadas de gaiolas, gaturamo-verdadeiro, choca-barrada, gralha-do-campo, ferreirinho-relógio, petrim, bem-te-vi, sabiá-do-barranco, lavadeira-mascarada, ariramba, pipira-vermelha, bacurau, sanhaços, saíra-amarela, um vasto time de andorinhas e pica-paus (de banda-branca, de topete-vermelho, rei, do-campo, verde-barrado e branco), maria-faceira e os ruidosos jandaia-de-testa-vermelha, periquito-rei, periquitão-maracanã e até maracanã-verdadeira. A lista é grande e de olho nessa turma, estão, em número também crescente, a coruja mucurututu-da-barriga-amarela, o carcará, o sovi, o gavião-carijó e o tucanuçu, entre outros predadores.

copia Aves - Marimbondo - carcarás (ab17) (1)

Casal de carcarás observa a paisagem em busca de comida a ser caçada

Nem tudo são flores, mas sempre há esperança

Dois fatos nos preocuparam e entristeceram neste ano na região: a instalação de torres de energia cortando nossas terras – fato que tentamos, sem sucesso, evitar – e um incêndio de grandes proporções na mata da fazenda vizinha, local tradicional das nossas passarinhadas.

Cristina Rappa

A águia-cinzenta no alto da torre

No caso das torres, não é que elas nos brindaram com a presença de um casal de águias-cinzentas (Urubitinga coronata), espécie bastante ameaçada no Brasil, em função de perda da habitat e caça? Grande (chega a medir 84 cm), preda pequenos mamíferos, como gambás, ratos e lebres, além de serpentes. E, como gostam de se empoleirar no alto, as torres lhes pareceram um bom local para fazer ninho. Como as cegonhas de Portugal e as curicacas de Tavares/RS, para quem leu uma das minhas crônicas recentes.

Ou seja, mesmo coisas feias podem trazer beleza. A águia-cinzenta, avistada no feriado de Finados, foi a espécie de número 247 contabilizada em Arceburgo. No dia seguinte, meu amigo Ademir, que é secretário do meio ambiente do município, avistaria com emoção outra espécie ameaçada: o curió, pássaro muito querido pelos traficantes de aves.     

Quanto ao incêndio, o ano quente e seco, aliado a alguma possível imprudência humana, fizeram a linda mata arder, expulsando o lobo-guará, a jaguatirica, o cachorro-do-mato, as cobras e muitos passarinhos, sendo que muitos estavam em seus ninhos sem ainda saber voar, já que a queimada se deu no final de setembro, no início da primavera. Imensa tristeza! Queimadas, além da judiação com os animais que vivem na mata, representam perda de biodiversidade, poluição e contribuição para o aquecimento global, já que reduzem a floresta e jogam muito carbono na atmosfera.

Foi algo que eu nunca tinha visto por lá e espero nunca voltar a ver. Estima-se que a mata levará uns dez anos para se recuperar. Vou viver para ver e já me juntei aos passarinhos para espalhar sementes e apressar esse processo.